Ao fim de 22 meses de luta, 60000 mortos, 500000 refugiados em
países vizinhos, dois milhões e meio de deslocados dentro do seu próprio país e
uma extensíssima destruição de propriedade continua a não haver qualquer “luz
ao fundo do túnel” que é o conflito sírio.
Brahimi, o representante das Nações Unidas não se cansa de
realçar que sem um acordo político, dentro em breve, o país pode entrar em
colapso. Um dos riscos é que se venha a transformar em algo como a Somália,
isto é, dividido em regiões dominadas cada uma por um grupo étnico ou seita que
não reconhece o governo central. Em resumo, um estado falhado numa das zonas do
mundo de maior instabilidade.
Bashar al Assad, tentando fazer esquecer que é ele próprio a
origem do problema, procura caracterizar a situação como fruto de
interferências externas, numa conspiração dos salafitas visando a hegemonia
regional dos sunitas. É, no entanto, precisamente contrário. É a instabilidade
interna causada pelo seu regime despótico que, extravasando para o exterior,
está a dar espaço a uma disputa pela liderança da região, envolvendo o Irã, a
Turquia, o Iraque e os Estados do Golfo.
Obviamente, Israel nunca se alheará desta disputa e,
considerando necessário, tomará a iniciativa de intervir. As reduzidas perspectivas
de estabilidade e paz para o Médio Oriente agravar-se-ão. Muito perigosamente
se o Irão conseguir manter Assad no poder.
A Síria tem umas Forças Armadas de relativamente grande
dimensão. Deviam ser suficientes para controlar
a totalidade do país, porque nem sequer a habitual limitação de emprego em
operações de contra insurreição, que deveria exigir um muito maior controlo do
uso da força, sejam tema a que Bashar al Assad preste qualquer atenção. O
problema é que, em relação a parte delas, Assad terá sempre dúvidas de lealdade
e isso limita as opções militares sobretudo ao emprego das forças de elite e a
medidas de precaução quando utiliza outras (evitando a sua exposição a
confrontos mais exigentes e infiltrando elementos dos serviços secretos).
Não podendo controlar a totalidade do território, por falta de
meios, Bashar segue a alternativa tradicional de concentração do esforço
militar nas cidades e regiões que considera mais importantes, deixando cair as
outras zonas nas mãos da oposição, para depois as bombardear e negar acesso a
recursos vitais, isolando-as. Segue uma espécie de estratégia de “barricada”
combinada com o controlo das vias de comunicação principais, mas, mesmo com
este objetivo mais restrito, o seu sucesso tem sido limitado, logo a começar
numa das principais vias de comunicação: a que vai da fronteira com a Jordânia
até Aleppo no norte, passando por Damasco e Holmes, um ponto estratégico que
tem sido palco de confrontações sucessivas entre as forças do regime e as do
Exército Livre da Síria.
Poderá esta situação ter qualquer saída antes que o País entre
irreversivelmente em colapso? Quantas mais mortes, refugiados, deslocados e
propriedade destruída serão necessários para demonstrar que com a continuação
de Assad no poder não haverá qualquer desfecho aceitável para a crise?
Assad não só perdeu qualquer espaço de negociação como também já
deixou passar a oportunidade de se afastar. Está sob o controlo das elites e
comunidades que o têm mantido e que agora, não havendo alternativas, não vão
permitir que ela as abandone. Sabe que introduzir reformas também não é opção.
Num futuro sistema representativo, os aluitas e demais minorias que o apoiam,
graças ao regime de proteção de que têm beneficiado, deixarão de ter o controlo
do País, perante os 60% de sunitas. Vinganças e retaliações serão o desfecho
expectável destes quase dois anos de luta e décadas de ditadura.
Brahimi está no seu papel de tentar um acordo negociado entre as
partes, mas as hipóteses de sucesso são, neste tipo de circunstâncias,
extremamente reduzidas, por várias razões.
Primeiro, porque o ponto de partida para isso - o desarmamento
da oposição – é algo que nenhum dos seus líderes encarará como possível. Não
existe um governo legítimo nem instituições que garantam a observação e
cumprimento do que for acordado. Se desarmarem ficam à mercê de Assad.
Segundo, não existe qualquer resquício de confiança mútua entre
as partes. Terceiro, qualquer acordo duradouro não pode deixar de envolver as
potências regionais, mas como vimos atrás, os respectivos objetivos estão longe
de convergir.
Para o Irã, a manutenção de Assad é essencial para o seu projeto
de liderança regional. Quarto, a observação de qualquer eventual acordo terá
que ficar sob o controlo de uma força internacional (10000 efetivos?) a colocar
no terreno, como, aliás, já deixou antever Brahimi, mas a disponibilidade de os
sírios aceitarem a presença das Nações Unidas suscita dúvidas. Receiam que
poderá ser um braço de interferência externa, nomeadamente por parte dos EUA,
que recentemente colocou na lista de organizações terroristas um dos grupos que
mais tem contribuído para desaires por que têm passado as Forças Armadas
sírias.
A grande dificuldade desta situação é que se um acordo é muito
difícil, senão já impossível pelas razões acima apontadas, a alternativa de uma
vitória da oposição poderá não ser um bom desfecho para a estabilidade
regional. É muito grande o risco de o futuro vir a ser dominado por vinganças e
retaliações contra os responsáveis pelo regime deposto, lutas entre as várias
facções, oportunidade de infiltração da al Qaeda e, eventualmente, pouco
empenho em enveredar por uma democracia liberal. Por outras palavras, estamos
perante um mais um conflito para durar.
Fonte: JDRI
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