A gestão de José Mariano Beltrame na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro já tem lugar reservado na história da administração pública brasileira. Ela está mudando a realidade de insegurança e abandono estatal que vigorava nas favelas cariocas, um problema local com dimensão nacional que permaneceu sem solução durante décadas, passando por governos de diferentes partidos. Na Verdade, a maioria da população não acreditava na recuperação daquelas áreas da cidade, que estariam condenadas ao domínio do tráfico e das milícias. Como foi possível iniciar um processo profundo de mudança numa situação em que o Estado parecia incapaz de ser bem-sucedido? A resposta está nos métodos e meios utilizados, que podem ser disseminados com sucesso por outras políticas públicas.
O primeiro passo da Revolução Beltrame foi acreditar que seria possível implantar uma nova sociabilidade nas favelas do Rio, instalando aquilo que mais falta nas regiões mais pobres do país: o Estado. Não se tratava apenas de prender alguns traficantes ou fazer reformas urbanas que não mudavam a forma de comando do local. O mote era o Poder Público ocupar permanentemente as áreas conflagradas da cidade. Para isso, seria preciso conciliar atividades de repressão com políticas de longo prazo, que melhorassem a vida dos cidadãos de modo a eles terem outro horizonte de vida. Buscava-se, assim, acabar com a dicotomia entre ações de Segurança Pública e políticas sociais, que dominaram perversamente o debate desde a redemocratização.
O que sustentava Verdadeiramente tal dicotomia era a fragilidade da ação policial. As polícias civil e militar tinham problemas de capacitação e condições de trabalho, além de uma cultura autoritária no tratamento da sociedade. E pior: parte dos integrantes dessas corporações estava vinculada à corrupção, quando não à própria bandidagem. Para enfrentar essa situação, tem sido utilizada uma estratégia de recuperação incremental da força policial do Rio, usando primeiramente grupos de elite e contratando novos profissionais, para evitar os vícios do sistema. Mas é importante observar que já há medidas tentando reconstruir a motivação geral da tropa, pois não seria possível reconstruir, dos pontos de vista jurídico, financeiro e mesmo político, todo o aparato de segurança de uma só vez. O desafio é mudar os incentivos organizacionais para os que ficarem, supondo, corretamente, que é necessário e viável recuperar boa parte dos policiais.
Os métodos usados na pacificação das favelas podem ser disseminados por outras áreas. Em toda essa ação, fica uma lição importante para a gestão de pessoas no setor público: é preciso ter uma estratégia de começar por nichos de excelência – que quase sempre existem –, depois disseminar o novo paradigma entre os demais e, sobretudo, renovar a burocracia, com concurso e treinamento adequados. Numa polícia com tantos problemas como a do Rio, é possível que esse método leve um tempo para dar certo.
O primeiro passo da Revolução Beltrame foi acreditar que seria possível implantar uma nova sociabilidade nas favelas do Rio, instalando aquilo que mais falta nas regiões mais pobres do país: o Estado. Não se tratava apenas de prender alguns traficantes ou fazer reformas urbanas que não mudavam a forma de comando do local. O mote era o Poder Público ocupar permanentemente as áreas conflagradas da cidade. Para isso, seria preciso conciliar atividades de repressão com políticas de longo prazo, que melhorassem a vida dos cidadãos de modo a eles terem outro horizonte de vida. Buscava-se, assim, acabar com a dicotomia entre ações de Segurança Pública e políticas sociais, que dominaram perversamente o debate desde a redemocratização.
O que sustentava Verdadeiramente tal dicotomia era a fragilidade da ação policial. As polícias civil e militar tinham problemas de capacitação e condições de trabalho, além de uma cultura autoritária no tratamento da sociedade. E pior: parte dos integrantes dessas corporações estava vinculada à corrupção, quando não à própria bandidagem. Para enfrentar essa situação, tem sido utilizada uma estratégia de recuperação incremental da força policial do Rio, usando primeiramente grupos de elite e contratando novos profissionais, para evitar os vícios do sistema. Mas é importante observar que já há medidas tentando reconstruir a motivação geral da tropa, pois não seria possível reconstruir, dos pontos de vista jurídico, financeiro e mesmo político, todo o aparato de segurança de uma só vez. O desafio é mudar os incentivos organizacionais para os que ficarem, supondo, corretamente, que é necessário e viável recuperar boa parte dos policiais.
Os métodos usados na pacificação das favelas podem ser disseminados por outras áreas. Em toda essa ação, fica uma lição importante para a gestão de pessoas no setor público: é preciso ter uma estratégia de começar por nichos de excelência – que quase sempre existem –, depois disseminar o novo paradigma entre os demais e, sobretudo, renovar a burocracia, com concurso e treinamento adequados. Numa polícia com tantos problemas como a do Rio, é possível que esse método leve um tempo para dar certo.
Por isso, foi fundamental outra medida: a cooperação com o governo federal, usando suas forças de Segurança. Contribuíram para essa parceria tanto a trajetória de Beltrame – ele é originário da Polícia Federal, e talvez um de seus melhores quadros – como o entrosamento entre o governador Sérgio Cabral e o presidente Lula, agora renovado pela presidente Dilma. É essencial reforçar este argumento: a articulação federativa tem sido a chave para o sucesso de políticas em vários setores. O uso desses servidores públicos federais se deveu a três de suas qualidades: o poderio de repressão, em termos bélicos ou de efetivo (como no caso do Exército e da Marinha); sua desvinculação dos vícios do sistema de segurança local; e a utilização decisiva de instrumentos de inteligência policial, em particular com a colaboração da Polícia Federal.
A junção desses aspectos garantiu uma ação planejada de entrada nas comunidades, usando a força apenas depois de mapear bem a situação – fato incomum no policiamento brasileiro das grandes cidades. Depois, permitiu uma permanência inicial do Estado bastante dissuasiva, algo essencial na tomada de favelas dominadas há décadas. Cabe frisar que houve um aprendizado ao longo do caminho. No início, as Forças Armadas cometeram equívocos em suas ações, pois a segurança de cidadãos é mais complexa que a conquista de territórios. Mas hoje elas estão entendendo melhor o que deve ser uma doutrina de segurança urbana. Além disso, o planejamento estratégico e toda a prática de inteligência policial vêm sendo compartilhados com a burocracia estadual.
A ação repressiva seria inócua se não fosse acompanhada de uma ocupação baseada na provisão de serviços públicos. É isso que torna as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) algo maior que um entreposto policial. Muitas obras feitas nas favelas e equipamentos públicos, antes precários ou inexistentes, começam a ser incorporados à vida da comunidade local. A garantia dos direitos básicos à população mais carente de áreas conflagradas – de paz, educação, saúde etc. – norteia toda a Revolução Beltrame. Se o Estado brasileiro seguir nessa trilha, justificará o custo dos impostos tão criticados pela opinião pública.
É bem Verdade que essa segunda perna do modelo ainda precisa ser aperfeiçoada. As intervenções urbanas caminham a passos lentos. Os equipamentos sociais também estão aquém das necessidades. O atraso a tirar, argumentaria o governo do Rio, é grande. Mas a ação policial só dará certo caso a população tenha rápido acesso a serviços públicos, pois é preciso que o Estado se imponha como autoridade num local dominado, por décadas, pelo medo e pela "caridade" dos traficantes (ou milicianos).
As UPPs enfrentam um dos grandes desafios da administração pública brasileira: a montagem de uma ação que envolve vários setores em ação no mesmo território. Obviamente conseguir isso nas favelas cariocas é muito complicado, mas essa mesma tarefa, com graus variados de dificuldade, também aparece nas periferias urbanas do país, seja em São Paulo, seja nas cidades satélites de Brasília ou na área metropolitana de Fortaleza, onde segurança pública, saúde, políticas urbanas e educação devem vir juntas. Em todos esses lugares, o ponto central é como instalar, ao mesmo tempo, o Leviatã e o Estado de Bem-Estar Social.
A Revolução Beltrame certamente está incompleta. O aparato policial do Rio ainda tem partes vinculadas à corrupção, o sistema carcerário do Estado é muito precário e as diferenças sociais entre morro e asfalto continuam abissais. Mas há algo fundamental nesse processo que serve de lição para a administração pública brasileira: a perseverança de fazer o correto. Já houve crises e problemas, só que eles não levaram à descontinuidade, maior característica da gestão pública do país. O secretário Beltrame é capaz de planejar e de corrigir, seguindo em frente, sem desistir. Claro que o apoio político do governador tem sido fundamental – e, a despeito das várias críticas que possam ser feitas às políticas e a determinadas condutas pessoais de Sérgio Cabral, ele está deixando uma bela marca na história do Rio. E aqui fica o ensinamento: como no Plano Real e no Bolsa Família, fortemente criticados no seu nascedouro, a Revolução Beltrame sabe aonde quer chegar e persevera. É isso que tem faltado ao Estado brasileiro.
A ação repressiva seria inócua se não fosse acompanhada de uma ocupação baseada na provisão de serviços públicos. É isso que torna as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) algo maior que um entreposto policial. Muitas obras feitas nas favelas e equipamentos públicos, antes precários ou inexistentes, começam a ser incorporados à vida da comunidade local. A garantia dos direitos básicos à população mais carente de áreas conflagradas – de paz, educação, saúde etc. – norteia toda a Revolução Beltrame. Se o Estado brasileiro seguir nessa trilha, justificará o custo dos impostos tão criticados pela opinião pública.
É bem Verdade que essa segunda perna do modelo ainda precisa ser aperfeiçoada. As intervenções urbanas caminham a passos lentos. Os equipamentos sociais também estão aquém das necessidades. O atraso a tirar, argumentaria o governo do Rio, é grande. Mas a ação policial só dará certo caso a população tenha rápido acesso a serviços públicos, pois é preciso que o Estado se imponha como autoridade num local dominado, por décadas, pelo medo e pela "caridade" dos traficantes (ou milicianos).
As UPPs enfrentam um dos grandes desafios da administração pública brasileira: a montagem de uma ação que envolve vários setores em ação no mesmo território. Obviamente conseguir isso nas favelas cariocas é muito complicado, mas essa mesma tarefa, com graus variados de dificuldade, também aparece nas periferias urbanas do país, seja em São Paulo, seja nas cidades satélites de Brasília ou na área metropolitana de Fortaleza, onde segurança pública, saúde, políticas urbanas e educação devem vir juntas. Em todos esses lugares, o ponto central é como instalar, ao mesmo tempo, o Leviatã e o Estado de Bem-Estar Social.
A Revolução Beltrame certamente está incompleta. O aparato policial do Rio ainda tem partes vinculadas à corrupção, o sistema carcerário do Estado é muito precário e as diferenças sociais entre morro e asfalto continuam abissais. Mas há algo fundamental nesse processo que serve de lição para a administração pública brasileira: a perseverança de fazer o correto. Já houve crises e problemas, só que eles não levaram à descontinuidade, maior característica da gestão pública do país. O secretário Beltrame é capaz de planejar e de corrigir, seguindo em frente, sem desistir. Claro que o apoio político do governador tem sido fundamental – e, a despeito das várias críticas que possam ser feitas às políticas e a determinadas condutas pessoais de Sérgio Cabral, ele está deixando uma bela marca na história do Rio. E aqui fica o ensinamento: como no Plano Real e no Bolsa Família, fortemente criticados no seu nascedouro, a Revolução Beltrame sabe aonde quer chegar e persevera. É isso que tem faltado ao Estado brasileiro.
Fonte: Época
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