O próximo presidente dos EUA precisa responder a esta pergunta: quando, e sob quais condições, o governo americano pretende suspender o uso de aviões não tripulados (drones) para bombardear suspeitos de terrorismo ao redor do mundo? O programa de drones - imaginando que a cobertura da mídia e dos centros de estudos estratégicos a respeito dele seja verdadeira, e ressaltando que este artigo não pode ser interpretado como uma confirmação da existência de tal programa - é uma inovação tática e tecnológica que se mostrou de valor incalculável na guerra contra a Al-Qaeda. Apresentando uma boa relação custo-benefício e tornando-se cada vez mais preciso e cirúrgico, o programa é quase o arquétipo da guerra esterilizada, desprovida de riscos e administrada por botões com a qual o Exército americano sonha há uma geração.
Mas os bombardeios realizados pelos drones são também um ato de guerra que provoca a morte de pessoas. E as guerras devem um dia chegar ao fim. É preciso que cheguem ao fim. Uma guerra sem fim é inaceitável e perigosa. O governo americano não pode simplesmente arrogar-se o direito de travar uma guerra interminável e global contra aqueles que forem considerados uma ameaça à segurança nacional. A perspectiva de tal guerra deve preocupar todos aqueles minimamente conhecedores da história ou da filosofia política.
O autor Randolph Bourne alertou que "A guerra é a saúde do Estado" e uma guerra global e interminável é perigosa para os proponentes do governo limitado.
Depois que o cidadão americano Anwar al-Awlaki foi morto em setembro num ataque realizado por aeronaves não tripuladas, o vice-diretor legal da União Americana pelas Liberdades Civis disse, com razão: "É um erro investir o presidente - qualquer presidente - com o poder de matar um americano considerado uma ameaça ao país sem ser questionado".
A questão é simples: este poder vai corromper aqueles que o exercem.
Não acredito que o presidente George W. Bush tenha usado mal este poder, nem que o presidente Barack Obama o tenha usado mal até o momento. Está claro que os drones terão de estar nos céus por mais alguns anos. Mas isso não significa que devamos estender nossa confiança automaticamente a qualquer presidente futuro.
O melhor argumento para permitir que o governo americano mate seus cidadãos sem acusação nem julgamento é o de que o presidente estaria autorizado a defender o país de uma rebelião, como ocorreu na Guerra de Secessão, o que significa que ele pode travar uma guerra contra os rebeldes.
Abraham Lincoln matou mais americanos do que Bush e Obama - e a Al-Qaeda - e o fez com razão. Ele não mobilizou o Exército da União para prender a Confederação, e sim para destruí-la. Era dever dele fazê-lo.
De maneira semelhante, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Congresso autorizou o presidente a empregar "todas as forças necessárias e cabíveis" contra os que cometeram o que foi considerado (com razão) ato de guerra.
Diferenças. Mas a comparação da guerra contra o terrorismo com a Guerra de Secessão só sublinha as diferenças entre ambas: no fim, a Guerra de Secessão foi encerrada e o governo americano parou de tentar matar seus cidadãos. Com o término das hostilidades, a autoridade do presidente para matar rebeldes perdeu a validade, e a responsabilidade normal de respeitar os devidos procedimentos legais foi restaurada.
Trazendo as mesmas condições aos dias de hoje, isso significa que o presidente deve explicar precisamente as condições que estamos trabalhando para atingir e representarão o fim da guerra contra a Al-Qaeda. Ao alcançá-las, os esforços do governo para matar pessoas, incluindo cidadãos americanos, devem cessar. A autoridade presidencial para matar deve ser a exceção, e não a regra.
Dito de maneira simples: quando esta guerra chegará ao fim? A resposta não pode ser "quando tivermos matado todos eles", pois nunca saberemos se - nem quando - esta meta terá sido cumprida. Usar a morte de cada membro ativo ou potencial da Al-Qaeda como métrica da vitória é simplesmente uma receita para prolongar a guerra por tanto tempo quanto o governo julgar conveniente. E o critério de "quando a Al-Qaeda" se render não serve, porque não haverá cerimônia de rendição.
É provável que a resposta seja obscura: quando a espionagem americana deixar de considerar a Al-Qaeda um perigo real e imediato para a segurança nacional. O governo deve deixar claro qual é a sua expectativa para este cenário e, no limite do possível, definir esta meta com tantos marcos concretos e verificáveis quanto for possível, de modo que haja objetividade na sua avaliação e também elementos para possibilitar a cobrança dos responsáveis.
Sem referências como estas, estaremos simplesmente confiando que o governo tomará a decisão correta e abrirá mão de seus poderes de guerra por conta própria, quando avaliar que chegou o momento correto de fazê-lo.
Não sei qual seria a melhor e mais precisa resposta à pergunta.
Mas tenho a impressão de que o governo Obama não está nem mesmo se fazendo esta pergunta, e isso é o mais preocupante.
Fonte: Estadão
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