segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Otan e o mundo



Depois do linchamento de Gaddafi, eu não aguento mais ler sobre o homem, seu destino ou o de pelo menos 3 de seus 8 filhos biológicos.

De 5 em 5 minutos, a televisão mostra os últimos instantes da transição democratizante, patrocinada pela Otan, sem aval da ONU, em que o canalha do maluco do líder há 42 anos da Libia feneceu como uma flor de cáctus no deserto graças a liberalizantes bombardeios feitos por aviões franceses e americanos do comboio em que Gaddafi procurava um novo caminho para a redemocratização de seu país, via seu viés aloprado.

Para variar, celulares registraram seus últimos sangrentos instantes. Muitos deles com a maçã de Steve Jobs. Não se pode mais ir à esquina ou torturar um beduíno sem que um desses odiosos aparelhinhos não registre o fato.

Até domingo, o primeiro-ministro de transição do país agora livre do jugo da torturante ditadura procurava uma maneira de resolver o problema de o que fazer com os mortalíssimos e linchadíssimos corpos de Gaddafi e seus filhos.

Não foi cumprido o mandamento muçulmano de dar-lhe, ou aos filhos, o enterro que o Alcorão e a tradição exigem. Talvez porque não encontrem família alguma da vasta tribo gaddafiana na Líbia. Ou foram linchados ou se mandaram do país.

De qualquer forma, o júbilo continua. Já foi anunciado pelo governo de transição que dentro de 8 meses haverá eleições para um Parlamento.

Este, em sua agenda estafante, além de lidar com a venda escrupulosa do excessivo petróleo que jorra pelo país, redigirá uma Constituição decente para a nova Líbia, ora com aval da Otan.

Façam o que bem entenderem, só peço que parem de mostrar aqueles imagens degradantes na televisão. Jubilem-se, linchem-se à vontade, mas longe das câmeras e de celulares. Prefiro episódio tétrico de qualquer um dos programas da série CSI.

Democracia pega e quando cisma é como fogo quando quer arder, água correr e mulher... isso aí. Atenção para o sul de nosso pacífico país, na milongueira Argentina, sempre a nos atormentar, já que elegeram antes que nós uma mulher presidente (e até mesmo presidenta), a vistosa Cristina Kirchner, cuja reeleição já estava garantida.

A Otan observa. Subam mapa acima e reparem na Venezuela, com o presidente Chávez, meio malucão, mas só que sem tortura feito Gaddafi, de cabelo rapado e se afirmando com câncer, lançou de forma solerte sua candidatura à permanência no posto nas eleições de 2012.

O médico que disse que ele não tinha mais que 2 anos de vida, por um motivo qualquer --talvez haja uma guapa venezuelana na história-- deixou o país e dele nada mais sabemos. Onde estão vossos celulares, venezuelanos? Em louvável iniciativa pacífica, a Otan ainda não ameaçou bombardear o a Venezuela.

Também a Tunísia não consta dos festejos explosivos da Otan, uma vez que os tunisianos foram às urnas eleger uma Assembleia Constituinte, fato inédito para eles. Tanto islâmicos quanto secularistas, facções em que se encontram divididos, pensam tratar-se de uma festa prolongada comemorando o fato de serem o primeiro país a florescer na colorida aventura da Primavera Árabe.

Por aqui, sem necessidade de recorrer à Otan, os ciganos irlandeses, ou viajantes, como preferem ser chamados, abandonaram finalmente as terras ilegalmente por eles ocupadas há décadas.

No entanto, jovens meio bobocas há uma semana ocuparam a entrada para a catedral de Saint Paul, obrigando-a a fechar suas vastas portas seculares, fato que só a blitz conseguiu em 1940 e que custa à manutenção do marco 16 a 20 mil libras por dia.

A garotada diz que a ocupação pacífica é uma manifestação "anti-capitalista". E mais não têm a dizer. Anti-capitalista. Ponto. A Otan acompanha a falta de higiene reinante. Sua contrapartida norte-americana acampada em Wall Street empunha cartazes e porta-vozes bem mais articulados. A Otan estuda o caso afim de chegar à melhor opção para remediar as duas perigosas situações.

Liderada por americanos, franceses e ingleses, a Otan mandou um presentinho com um belo cartão parabenizando a bela primeira-dama francesa, Carla Bruni-Sarkozy, por ter dado à luz uma saudável menina a que o primeiro-casal deu o nome de Giulia, hostilizando assim um país inteiro que preferia Julie.

Na França, começam os primeiros protestos organizados. A Otan observa com vivo interesse.

Por: IVAN LESSACOLUNISTA DA BBC BRASIL

Fonte: BBC Brasil
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