quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A farsa política da Itália pode se tornar tragédia econômica



Depois de semanas de silêncio incomum e cada vez mais perturbador, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, deve falar ao Parlamento sobre a situação econômica, na quarta-feira. Na terça, os mercados financeiros se voltaram contra a Itália, e levaram os juros de seu título padrão de dívida pública com vencimento em 10 anos bem acima dos 6%.

O mais alarmante para os economistas é que a posição italiana nos mercados está se deteriorando mesmo depois da aprovação de um pacote de austeridade pelo Legislativo, no mês passado. Os problemas financeiros do país estão fervilhando em meio a um clima febril de investigações judiciais, rumores lúridos e crescente indignação popular quanto aos políticos, que mantiveram seus privilégios enquanto impunham cortes de gastos que prejudicarão os demais italianos.

Em um interlúdio digno de uma ópera bufa, este ano, os promotores acusaram Berlusconi de pagar para fazer sexo com uma menor de idade. Mas as novas investigações estão explorando veios mais profundos: corrupção, tráfico de influência e acusações de que os funcionários do governo na verdade obedecem a nebulosas redes de poder completamente desconexas de seu papel institucional.

A investigação mais proeminente envolve Giulio Tremonti, o ministro das Finanças, cujo futuro político entrou em risco quando ele admitiu que paga para ficar hospedado em um apartamento em Roma de propriedade de um ex-assessor político e legislador. O assessor foi acusado em junho de aceitar suborno em troca de usar sua influência para ajudar na seleção de ocupantes de cargos públicos.

Com a intensa concentração dos mercados de títulos na situação italiana, resta determinar se ou quando Berlusconi demitirá Tremonti, que apesar dos ocasionais desentendimentos políticos com o primeiro-ministro conquistou respeito considerável nos círculos financeiros internacionais. Mas a incerteza quanto a Tremonti é emblemática da incerteza quanto ao governo Berlusconi em geral, que se torna mais fraco dia a dia mas dificilmente cairá antes que os parceiros de coalizão do líder se convençam de que conseguem sobreviver sem ele.

"Vivemos em clima de instabilidade estável", diz Massimo Franco, o principal colunista político do mais conhecido jornal italiano, o "Corriere della Sera". "O risco é que essa instabilidade se torne muito mais dramática por conta da especulação no mercado", acrescentou. "Mas a Itália está aprisionada nessa fase. Berlusconi não tem saída. Para termos um governo diferente, ele teria de renunciar, e não o fará".

Os críticos acusam o primeiro-ministro de se dedicar mais aos seus problemas jurídicos pessoais do que aos problemas do país. A pressão financeira sobre a Itália está crescendo, e a despeito de aprovar quase US$ 70 bilhões em cortes de gastos e aumentos de impostos no mês passado, os políticos dizem que o país terá de adotar novas medidas de austeridade já em setembro.

Na semana passada, Tremonti defendeu o aluguel mensal de US$ 5,7 mil que pagava para se hospedar no apartamento romano de Marco Milanese. Os promotores querem a prisão de Milanese por transmitir informações confidenciais sobre uma investigação criminal a um empresário, em troca de presentes e dinheiro.

Em resposta a críticas de que pagamentos em dinheiro são uma forma clássica de sonegação de impostos, o ministro das Finanças alegou que não fez nada de indevido. "Não há nada por sob a mesa, nada irregular", escreveu Tremonti em carta ao "Corriere della Sera" na sexta-feira.

Uma trama mais surreal se desenrola nas entrelinhas. De acordo com algumas reportagens que citam fontes judiciais, Tremonti depôs alegando que havia optado por ficar nesse apartamento, em Roma, e não em um hotel ou residência oficial do governo, porque temia que membros de sua equipe de segurança o estivessem espionando e recolhendo informações para usar contra ele.

O Legislativo deve votar em setembro se autoriza a promotoria a abrir processo contra o ministro.

A indignação popular está em alta porque o Legislativo, que acaba de elevar os impostos e contribuições previdenciárias dos italianos, se recusa a reduzir os benefícios, aposentadorias e verbas de despesas dos políticos.

Os legisladores ganham US$ 16,6 mil ao mês, antes dos impostos, e mais US$ 10,2 mil como verba de despesas e para contratar assessores -que podem escolher por conta própria, sem nenhum processo formal de confirmação.

Gian Antonio Stella, jornalista e co-autor, com Sergio Rizzo, de "A Casta", um best seller lançado em 2007 que expõe o custo assombroso da política italiana, calculou que um norte-americano médio gasta US$ 7 ao ano para sustentar seus políticos, enquanto um italiano gasta quase US$ 38.

As medidas de austeridade aprovadas no mês passado incluem cortes nas aposentadorias, aumentos de impostos e um congelamento de salário para os trabalhadores italianos -mas não para os políticos. De acordo com reportagens da imprensa italiana, um grupo de legisladores se reuniu antes da votação das medidas e exclui do projeto reduções nos salários dos políticos e o corte de seus carros com motorista.

A raiva "está crescendo, é muito evidente", disse Stella. "Fica perceptível nas cartas que recebemos. Dessa vez, os leitores de direita compreendem que não é culpa da esquerda. Os leitores de direita enfim compreenderam que o problema também é culpa da direita".

Diante dessa crescente indignação, Berlusconi parece estar se preparando para a defesa. Para agravar ainda mais o clima paranóico no país, o "Corriere della Sera" no final de semana publicou um artigo de primeira página alegando que Berlusconi estava cada vez mais preocupado com a possibilidade de que o líder líbio Muammar Gaddafi, no passado seu aliado, agora desejasse matá-lo pelo apoio da Itália à intervenção da Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte) na Líbia.

"Fui informado disso por fontes confiáveis", afirmou o jornal, atribuindo as palavras a Berlusconi por meio de uma abordagem de narrador onisciente comum no jornalismo italiano.

O gabinete de Berlusconi posteriormente divulgou uma negativa com a retórica floreada que lhe é característica, definindo a reportagem como "fruto da mais férvida fantasia".

Fonte: New York Times
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