sábado, 11 de junho de 2011

Brasil deve elevar o tom no comércio com China; leia entrevista



A dependência chinesa de commodities colocou o Brasil em uma situação forte de negociação. O país deve aproveitar a oportunidade para exigir mais abertura do mercado do gigante asiático para produtos de maior valor agregado.

É o que defende o economista-chefe global do grupo HSBC, o inglês Stephen King, em entrevista à Folha. Em um estudo intitulado "A Rota da Seda no Sul" (em tradução livre), ele prevê que o comércio entre os países da Ásia e hemisfério Sul vai crescer dez vezes em 30 anos a 40 anos. E o Brasil terá 80% de seu comércio com esses países.

Leia a entrevista:

FOLHA - Quais são os benefícios e riscos do desenvolvimento da China para o Brasil?

STEPHEN KING - A China atua como uma espécie de contrapeso em relação aos EUA em termos de influência crescente na economia global. Como a China investe em outras partes do mundo, esse investimento cria infraestrutura, o que significa que esses países não precisam fazer negócios apenas com a China, eles podem fazer mais negócios entre eles. Em função do seu estágio atual de desenvolvimento, a China precisa de uma quantidade enorme de commodities.

O Brasil naturalmente se encontra em uma posição melhor por causa do aumento nos preços das commodities. Isso obviamente levanta preocupações sobre desindustrialização e taxa de câmbio apreciada prejudicando outros setores. Mas, de forma geral, o futuro do Brasil tem sido moldado por essa crescente influência da China.

=>Então é uma situação positiva para o Brasil?

O Brasil, na verdade, está em uma posição relativamente forte de negociação para chegar para os chineses e dizer: se vocês quiserem ter acesso às nossas commodities, precisam abrir seu mercado doméstico para que nós também possamos vender alguns dos nossos produtos de maior valor agregado para vocês. Eu acho que o resultado das recentes conversas entre os governos do Brasil e da China mostram que os dois países estão começando a reconhecer que dependem um do outro.

=>O Brasil está condenado a ser exportador de commodities ou pode desenvolver outras vantagens comparativas?

Em termos de competitividade, o que importa são as vantagens comparativas em termos relativos e não absolutos. Mesmo que existam áreas nas quais vocês estejam perdendo competitividade, provavelmente estão ganhando competitividade em outros setores. Aeronaves, por exemplo. A indústria de aeronaves brasileira há 30, 40 anos não era forte como é hoje. Há um assunto importante aqui no Brasil em relação à taxa de câmbio, que tem estado muito forte nos últimos dois ou três anos. O yuan chinês tem se valorizado em relação ao dólar, mas se desvalorizado em relação ao real.

Pode ser que com o tempo, o yuan comece a desbancar, parcialmente, o dólar de sua posição de moeda reserva para o mundo. E isso significa que se valorizaria mais do que o ocorrido até agora. O que quer dizer que, em termos relativos, o yuan pode se valorizar em relação ao real, o que daria ao Brasil certa vantagem comparativa.

=>O Brasil deve assistir de forma passiva o desenvolvimento da China e outros emergentes ou desenvolver uma estratégia para se posicionar melhor?

Há vínculos políticos que podem ser desenvolvidos. A América Latina e a Ásia podem estabelecer alguma forma de acordo comercial, criando áreas de livre comércio mais amplas. Esse tipo de arranjo institucional ajuda a construir confiança que, por sua vez, permite que o aumento significativo do comércio.

Além disso, a ideia de fluxos de capital entre países também deveria ser e em parte já está sendo abraçada. A China investe no Brasil e vice-versa. Com isso, você cria plataformas de produção mutuamente apoiadas. E cria conexões que de outra forma não estariam presentes.

=>China e EUA já criaram esse vínculo?

Sim, já há uma forma de dependência mútua entre os dois países em consequência de investimentos desenvolvidos nos últimos anos. Isso ajudou a limitar o tipo de conflitos comerciais que poderiam ter surgido entre os dois países. Obviamente, ainda há um debate constante sobre o valor do yuan. Mas, em parte, a razão pela qual os americanos não puniram os chineses mais severamente por manipular sua taxa de câmbio é que muitas empresas americanas e seus acionistas dependem do sucesso da China. Portanto, por que correr o risco?

Acho que a questão para o Brasil é decidir se o melhor caminho é negociar sozinho ou com seus parceiros latino-americanos. Mas a China precisa desenvolver relações comerciais com a América Latina e isso coloca a região em uma posição de negociação relativamente forte.

=>O senhor acha que a América Latina e o Brasil estão aproveitando bem essa posição de negociação forte?

A China tem mantido um superavit em conta corrente muito grande por muitos anos, o que significa que sua taxa de poupança doméstica é mais alta que sua taxa de investimento doméstico. Portanto, o país precisa investir em algum outro lugar do mundo. Muitos desses investimentos até antes da crise eram direcionados para os EUA, para a compra de títulos do Tesouro americano.

Talvez, em alguns casos, esses não foram investimentos bem sucedidos. E, se os chineses reconhecem que com o tempo o yuan quase certamente vai se valorizar em relação ao dólar, todos esses investimentos que eles fazem nos EUA valerão menos quando convertidos em moeda chinesa.

Então faz sentido que os chineses se perguntem onde poderão estar investindo para apoiar seus próprios interesses estratégicos. E, como a China ainda está relativamente em um estágio ainda inicial do seu desenvolvimento, precisa de acesso a commodities e materiais básicos que são produzidos em outras partes do mundo. Faz muito sentido para a China construir relações com parte da América Latina e da África. Isso está começando a ocorrer. Não apenas em termos de comércio, mas também no desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Além disso, a China está produzindo bens que quer vender em outras partes do mundo.

=>Alguns analistas e autoridades que veem um lado negativo em depender da China, além da discussão política de não ter um governo democrático. O senhor concorda?

A realidade é que todos os países do mundo, de forma crescente, querem fazer negócios com a China. Todos têm se perguntado como aumentar o comércio com a Ásia, que é a parte mais dinâmica do mundo, exibe as taxas mais altas de crescimento. Se um país não tira vantagem disso, vai ficar para trás. A realidade é que os países não têm alternativa, precisam reconhecer que a China se tornou um jogador dominante na economia global.

=>Pelas suas projeções, 80% do comércio brasileiro será com países do Sul até 2050. Não é um percentual muito alto?

Muitas oportunidades que o Brasil teria com os Estados Unidos e a Europa já se concretizaram. O jogo agora são as conexões do Sul. O Brasil tem o benefício de tanto a China quanto a Índia estarem crescendo muito rapidamente. Enquanto a China e a Índia têm a desvantagem de comercializarem com o Brasil que, na média, está crescendo mais devagar que eles.

=>Se a projeção de que o comércio Sul-Sul vai crescer 10 vezes em 30 ou 40 anos estiver certa, o que será do mundo desenvolvido?

Não é que o comércio com esses países vai zerar. Mas Estados Unidos e Europa não crescem mais tão rápido. As oportunidades de comércio já foram exploradas. As relações Sul-Sul é que ainda não foram. Os emergentes crescem muito rápido e têm uma demanda cada vez maior, com recursos limitados, em especial de commodities. Nesses países, um grande número de pessoas entra no mercado de trabalho global, o que detona uma relativa mudança de preços. Você pode ver que nos Estados Unidos e Europa temos uma combinação de aumento dos preços das commodities e uma pressão para baixo dos salários. As empresas preferem investir no Brasil, China e Índia ou em outros mercados emergentes porque a mão de obra é mais barata e frequentemente mais trabalhadora.

=>Qual a consequência para os países desenvolvidos?

Eles enfrentam altos preços de commodities, baixos salários e alto nível de dívida. Então pagar a dívida se torna mais difícil. Por isso, há um longo período de relativa estagnação, de relativo declínio econômico nesses países. Isso é reflexo de que o capital agora pode viajar pelas fronteiras mais facilmente. O perigo é que se o Ocidente achar que não consegue viver com isso, irá detonar uma nova onda de protecionismo nos próximos anos.

=>Não é uma visão muito pessimista?

Não para o Brasil e para o Sul. As coisas poderiam estar muito piores. Poderíamos ter uma Grande Depressão, o que seria extremamente pessimista. O Ocidente passou por uma era de ouro de crescimento nos últimos 50 ou 60 anos. Países como Brasil, China e Índia ainda têm muito a alcançar. Se o mesmo [crescimento do ocidente] se repetir entre os países asiáticos nos próximos 50 anos, poderemos potencialmente ver o mesmo desenvolvimento, com níveis mais altos de qualidade de vida. Isso vai acontecer sem depender dos países europeus. Os países do Sul se tornarão dependentes entre si.

=>Quanto os países desenvolvidos poderão crescer nesta primeira metade de século?

Vamos tomar o exemplo dos EUA. Nos anos 80 e 90, o crescimento foi de 3% ao ano. No final dos 90, pico do boom econômico, foi de 3,5% ou 4%. Agora sabemos que no último ciclo, de 2000 a 2007, o crescimento foi de 2,5%, muito menor que o período anterior e só foi conseguido como consequência do boom imobiliário. Tirando essas coisas, talvez tenhamos crescimento de 2,25% ou 2%. Tem um elemento de Japão na história americana, não tão ruim como no Japão que tem um problema demográfico, mas no sentido de que perdeu a capacidade de crescer como nos 20 anos anteriores.

=>O senhor disse que autoridades estavam muito preocupadas com inflação e agora perceberam que a recuperação econômica é frágil. Qual a saída?

Quando eu falo do problema de crescimento [baixo] e inflação, é no mundo desenvolvido. Os emergentes não estão com esse problema, apesar de terem inflação. No sentido amplo, a dívida nos emergentes não é muito alta, então a pressão para desalavancar não é muito grande. No mundo desenvolvido, a pressão por desalavancagem é extremamente alta. A economia global tem níveis bem baixos de juros e a sensibilidade para taxas de juros é bem maior entre os emergentes [que têm juros mais altos]. Emergentes têm uma demanda forte que adiciona pressão sobre a inflação. No mundo desenvolvido, a inflação é um risco, mas como os salários não seguiram na mesma direção, os ganhos das pessoas foram amassados.

Formuladores de política acreditam corretamente que poderiam evitar uma Grande Depressão, mas acreditaram erroneamente que poderiam evitar uma estagnação ao estilo japonês. Uma Grande Depressão é quando o PIB cai 30% e desemprego sobe para 25%. Felizmente não tivemos isso. Tivemos desempenhos ruins, mas nada comparado a isso. O benefício dos estímulos monetários dos últimos dois ou três anos foi evitar o pior cenário, um derretimento financeiro. Nesse sentido, formuladores de política tiveram sucesso. O problema é que chega um ponto que você não consegue mais crescer porque você cresceu demais anteriormente. Você se endividou demais. Nesse momento, as políticas perdem seu efeito, como no Japão. A lição do Japão é que você não pode chegar nesse ponto.

=>O estímulo monetário nos países desenvolvidos deveria ser retirado agora?

Eu não acho que vai ser retirado. Nos EUA, a ênfase será mais no risco de recessão do que de inflação. Mas por quanto mais tempo os americanos mantiverem soltas as condições de mercado, maior será o crescimento dos emergentes. E mais alto será o preço das commodities, o que come os ganhos [e salários] nos EUA e torna a recuperação econômica mais difícil. Essas políticas não convencionais são como um míssil sem rumo. Não se sabe que parte do mundo irá atingir. Os emergentes estão se beneficiando desse estímulo, o que equivale a impor uma espécie de taxa [ônus] ao crescimento europeu e americano.

Fonte: Folha
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