quinta-feira, 19 de maio de 2011

Brasil inquieto na guerra dos subsídios


O Brasil reagiu ontem a uma nova etapa da disputa entre a americana Boeing e a europeia Airbus manifestando "grande preocupação" com os bilhões de dólares de subsídios recebidos pelos concorrentes da Embraer para produção de novas aeronaves, e considera que essa situação precisa ser resolvida logo.

Está em jogo na disputa dos dois gigantes aeronáuticos um tipo de subsídio que é para o lançamento de novos aparelhos, que a Embraer diz não receber. O Brasil se inquieta com os subsídios pesados que estão sendo dados também pelo Japão, Rússia, China e ainda Canadá, no desenvolvimento de jatos que vão competir com os aparelhos da companhia brasileira.

"A Embraer arca com 100% dos custos de desenvolvimento e lançamento de uma aeronave, enquanto os outros têm um apoio competitivo extraordinário, que é indevido e ilegal e que torna a operação barata para as empresas", afirmou o embaixador brasileiro junto à OMC, Roberto Azevedo. "Estamos examinando, à luz dos resultados (da disputa Boeing-Airbus) que tipo de ação o Brasil pode tomar, inclusive falando com as outras partes", completou.

Na longa disputa entre Boeing e Airbus, a OMC confirmou em março que o construtor americano recebera pelo menos US$ 5,3 bilhões de subsídios ilegais de Washington. Ontem, acionado pelos EUA, foi a vez de o Órgão de Apelação da OMC, espécie de corte suprema do comércio internacional, confirmar que a União Europeia dá subsídios ilegais para a Airbus na forma de financiamentos para lançamento de novos aparelhos, apoio à infraestrutura e injeção de capital.

No entanto, os juízes mudaram decisão do painel anterior de que a Alemanha, Espanha e o Reino Unido deram recursos para o lançamento do super jumbo Airbus-380 que também constituiria subsídios proibidos porque estariam vinculados ao desempenho de exportação da aeronave. Os juízes não disseram que a operação europeia era legal, e sim que o painel anterior fizera interpretação errada. A Boeing calcula que Airbus recebeu US$ 18 bilhões de subsídios ilegais, incluindo US$ 4 bilhões para o A380, o mais novo aparelho desenvolvimento pelo grupo europeu.

Como terceira parte envolvida na disputa, o Brasil recebeu sem surpresa a decisão agora do Órgão de Apelação, porque usou o mesmo argumento contra o Canadá na disputa entre Embraer e Bombardier e não foi bem sucedido. Estava claro que todos os aparelhos da Bombardier eram para exportação. Mesmo assim, na época o painel de especialistas e o Orgão de Apelação não viram evidências suficientes de ilegalidade, e insistiram que era preciso provar que, se o avião não fosse exportado, o subsídio do governo canadense não seria concedido para a Bombardier.

Na prática, ontem a UE ganhou pontos no seu litígio com a Boeing e não será obrigada a retirar os subsídios no prazo de 90 dias. Pode mesmo fazer mudanças domésticas em seus programas nos próximos meses e argumentar que está consistente com as regras da OMC. No entanto, os EUA comemoraram também como vitória a decisão da OMC, na sua campanha de 20 anos contra financiamentos que considera ilegais para a Airbus e que afetam a Boeing.

Para os EUA, os juízes da OMC confirmaram que "décadas de subsídios" fornecidos por países da UE para a Airbus "são inconsistentes com as regras da OMC".

Segundo comunicado americano, o Órgão de Apelação afirmou que a ajuda para o lançamento de novos aparelhos nos últimos 40 anos, assim como outros subsídios contestados pelos EUA, causaram "efeitos adversos para os interesses dos EUA e não são consistentes com as regras de subsídios da OMC".

Na guerra dos comunicados, a UE igualmente comemorou uma vitória para Airbus. "Mais importante é que o Órgão de Apelação concluiu que o apoio fornecido pela Alemanha, Espanha e Reino Unido para o lançamento do Airbus A380 não é subsídio proibido às exportações. Também rejeitou a reclamação dos EUA de que outros pagamentos para lançamento de aparelho eram subsídios à exportação", afirmou a UE.

Na linha oposta de seu colega americano, o comissário europeu de comércio, Karel de Gucht, declarou que a queixa central americana contra Airbus "foi rejeitada inteiramente", incluindo reclamações sobre subsídios para pesquisa e desenvolvimento e infraestrutura, ou parcialmente aceitas.

Por sua vez, o Brasil observa com inquietação o ciclo de litígios e constata que "não é possivel continuar com esse grau de imprevisibilidade e assimetria nas condições de competição", inclusive porque a Embraer sofre concorrência desleal.

Para o representante brasileiro, há duas maneiras de lidar com a situação atual no mercado de jatos. Uma é continuar num processo de litígios que não se esgota. Basta ver que a Boeing e a Airbus têm anos de disputa. A outra é negociar um entendimento sobre condições de apoio governamental a produção, com previsibilidade e plano nivelado da concorrência.

"A melhor forma é evitar um ciclo litigioso improdutivo e custoso, por meio de negociações que deem previsibilidade nas condições de apoio aos construtores aeronáuticos", afirma o embaixador Azevedo, que foi o principal negociador brasileiro de toda a disputa entre Embraer e Bombardier.

Recentemente, todos os grandes construtores aeronáuticos fizeram novo acordo na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para evitar uma guerra nas condições de financiamento de vendas das aeronaves. Agora, o próximo passo seria sobre o apoio na produção. Só que, enquanto o litígio jurídico não se esgota na OMC, é difícil começar a falar de acordo, porque não há clareza sobre as regras do jogo.

Fonte: Valor Econômico
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