A terceira reunião de cúpula do BRICS, realizada recentemente na ilha chinesa de Hainan, reaqueceu o interesse pela organização, que por ora não possui nem um estatuto, nem uma estrutura fixa e que, de um ponto de vista jurídico, permanece um espectro. Mas um espectro que já completa três anos: seu número de integrantes continua crescendo (em Hainan formalizou-se a entrada da África do Sul) e coletivamente já começa a exercer importante influência em algumas questões mundiais (como na votação do Conselho de Segurança acerca da "resolução líbia"). Mas assim como antes, o principal ponto continua sendo a dinâmica do crescimento econômico de China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul, que fez os especialistas da Goldman Sachs, que cunharam em 2001 o acrônimo BRICS, antecipar a estimativa da data em que os países "emergentes" deverão ultrapassar o PIB dos países do G7.
Os resultados da crise econômica que abalou o mundo todo apenas confirmaram estes prognósticos, e agora o BRICS não é mais encarado como algo exótico, nem como um conjunto inusitado de jogadores (nas palavras de Púchkin, aqueles que "não se pode atrelar num só carro"), jogadores esses que colocam em risco os "senhores" da economia e da política mundial. Mas tentemos analisar esse fenômeno com seriedade, eximindo-nos de um sensacionalismo desnecessário. O que demonstra o próprio surgimento do BRICS? Seria afinal ridículo presumir que o prognóstico feito pelos especialistas do Goldman Sachs em 2001 "agradou" tanto os "países gigantes" que eles imediatamente decidiram reunir-se. Note-se que já em 1997 o então Ministro do Exterior da Rússia, E. M. Primakov, elaborou a ideia da criação do bloco RIC (Rússia, Índia, China), e no Brasil a noção de uma parceria mais profunda entre os grandes países emergentes já era corrente no final do século passado. Lembremos ainda a Organização para Cooperação de Xangai, onde Rússia e China colaboraram ativamente na resolução de uma variada gama de problemas (nesse grupo, aliás, a Índia tenta adentrar), e a organização IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), em que os maiores países do "sul" do mundo trabalharam juntos na área da segurança e no auxílio aos países mais pobres do planeta. Ou seja, as "raízes" do BRICS são mais profundas e a "restituição" desse formato pode ser ainda mais forte do que supunham os especialistas dos bancos de investimento.
Mas para variar um pouco vamos nos afastar dos números, embora eles sejam muito convincentes, e vamos falar de política. O surgimento de organizações de "espectros jurídicos" (G7, G20, BRICS) é um fenômeno em si interessante. Ele demonstra o desequilíbrio da política mundial e a falta de confiança nas estruturas formais da cooperação internacional que se formaram nos anos da Guerra Fria e que visivelmente perderam peso e autoridade após o seu fim. Em grande parte devido ao fato de que a força do direito (na qual então a maioria de nós confiava) não substituiu o direito da força. Mas as tentativas de impor um "Ocidente coletivo", encabeçado pelos Estados Unidos (e o que foi, por exemplo, a criação de um G7 informal se não a tentativa das maiores economias do Ocidente de interpretar esses seus papéis?) e até o início da segunda década do novo século, provaram sua inconsistência, tanto no Afeganistão e no Iraque como no momento da crise financeira e econômica global. Sob este aspecto, a análise da revista "The Economist", feita em 2007 e admitindo que "o mundo atravessa claramente um momento de déficit de autoridade", provou-se extremamente precisa.
E o que o BRICS pode nos dar? Alguém certamente poderia dizer: "quem viver verá". E em parte estaria certo. Afinal, a organização tem por enquanto um caráter futurista. Seus participantes chegarão ao "auge da forma" (se tudo for conforme previsto) apenas nos anos 20 ou 30 do presente século.
A questão, porém, é que pode não haver tempo. Os problemas mundiais multiplicam-se e são diagnosticados, mas não resolvidos: o déficit de autoridade não estimula a tomada de decisões responsáveis. Ao mesmo tempo, crescem no mundo as profecias e os prognósticos catastróficos, com traços até mesmo de um certo fatalismo. Não seria o momento de agir "preventivamente"?
As decisões tomadas nas cúpulas do BRICS em Ekaterinburg, Brasília e Hainan são provas da resolução de seus participantes de afastar-se de modelos ocidentais de
desenvolvimento (por exemplo o plano de abandonar o padrão dólar). E talvez cada vez mais. Mas será isso positivo? O mundo afinal segue esse modelo há pelo menos quinhentos anos. De qualquer maneira, é preciso tentar. Possivelmente será inócuo falar de uma multipolaridade autêntica se no mundo "multipolar" do futuro reinar como sempre uma civilização, uma cultura, uma forma de vida e uma moral. A ordem dos fatores não altera o produto. E é possível que assim seja se a política dos BRICS se ativer a objetivos de ordem tática, como o aumento de sua representatividade no FMI, no Banco Mundial ou no Conselho de Segurança da ONU (no caso da Índia e do Brasil), ou a entrada da Rússia na OMF etc. Podemos ir além: a utilidade do BRICS irá desaparecer.
Uma outra questão é: se os líderes dos países emergentes terão a perspicácia de manter em curso a construção de uma nova forma multicultural de relações internacionais (já que cada um dos países do BRICS é quase uma civilização inteira!); uma forma que, tendo absorvido tudo que de melhor reuniu a civilização ocidental, atualmente exaurida de seu potencial de crescimento, ajudará a humanidade a resolver os cada vez mais profundos problemas globais. A Rússia (e o Brasil), como civilizações periféricas, tiveram a chance de desempenhar nesse "concerto" um papel importante na qualidade de peculiares elos entre Ocidente e Oriente, norte e sul de nosso planeta. Alguns podem discordar de mim dizendo: utopia! O abismo cultural entre os povos de diferentes países e regiões aparentemente não estão diminuindo: pelo contrário, estão crescendo. O fardo da incompreensão mútua torna-se cada vez mais pesado e impede a tomada conjunta de decisões importantes. Pois então sejamos realistas: estamos exigindo o impossível! Na história da humanidade, muitas vezes ocorreram momentos em que, ao se deparar com uma difícil escolha, ela venceu honrosamente essas complicadas situações. Tenhamos esperança de que assim seja também dessa vez.
Fonte: Gazeta Russa via Plano Brasil
Os resultados da crise econômica que abalou o mundo todo apenas confirmaram estes prognósticos, e agora o BRICS não é mais encarado como algo exótico, nem como um conjunto inusitado de jogadores (nas palavras de Púchkin, aqueles que "não se pode atrelar num só carro"), jogadores esses que colocam em risco os "senhores" da economia e da política mundial. Mas tentemos analisar esse fenômeno com seriedade, eximindo-nos de um sensacionalismo desnecessário. O que demonstra o próprio surgimento do BRICS? Seria afinal ridículo presumir que o prognóstico feito pelos especialistas do Goldman Sachs em 2001 "agradou" tanto os "países gigantes" que eles imediatamente decidiram reunir-se. Note-se que já em 1997 o então Ministro do Exterior da Rússia, E. M. Primakov, elaborou a ideia da criação do bloco RIC (Rússia, Índia, China), e no Brasil a noção de uma parceria mais profunda entre os grandes países emergentes já era corrente no final do século passado. Lembremos ainda a Organização para Cooperação de Xangai, onde Rússia e China colaboraram ativamente na resolução de uma variada gama de problemas (nesse grupo, aliás, a Índia tenta adentrar), e a organização IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), em que os maiores países do "sul" do mundo trabalharam juntos na área da segurança e no auxílio aos países mais pobres do planeta. Ou seja, as "raízes" do BRICS são mais profundas e a "restituição" desse formato pode ser ainda mais forte do que supunham os especialistas dos bancos de investimento.
Mas para variar um pouco vamos nos afastar dos números, embora eles sejam muito convincentes, e vamos falar de política. O surgimento de organizações de "espectros jurídicos" (G7, G20, BRICS) é um fenômeno em si interessante. Ele demonstra o desequilíbrio da política mundial e a falta de confiança nas estruturas formais da cooperação internacional que se formaram nos anos da Guerra Fria e que visivelmente perderam peso e autoridade após o seu fim. Em grande parte devido ao fato de que a força do direito (na qual então a maioria de nós confiava) não substituiu o direito da força. Mas as tentativas de impor um "Ocidente coletivo", encabeçado pelos Estados Unidos (e o que foi, por exemplo, a criação de um G7 informal se não a tentativa das maiores economias do Ocidente de interpretar esses seus papéis?) e até o início da segunda década do novo século, provaram sua inconsistência, tanto no Afeganistão e no Iraque como no momento da crise financeira e econômica global. Sob este aspecto, a análise da revista "The Economist", feita em 2007 e admitindo que "o mundo atravessa claramente um momento de déficit de autoridade", provou-se extremamente precisa.
E o que o BRICS pode nos dar? Alguém certamente poderia dizer: "quem viver verá". E em parte estaria certo. Afinal, a organização tem por enquanto um caráter futurista. Seus participantes chegarão ao "auge da forma" (se tudo for conforme previsto) apenas nos anos 20 ou 30 do presente século.
A questão, porém, é que pode não haver tempo. Os problemas mundiais multiplicam-se e são diagnosticados, mas não resolvidos: o déficit de autoridade não estimula a tomada de decisões responsáveis. Ao mesmo tempo, crescem no mundo as profecias e os prognósticos catastróficos, com traços até mesmo de um certo fatalismo. Não seria o momento de agir "preventivamente"?
As decisões tomadas nas cúpulas do BRICS em Ekaterinburg, Brasília e Hainan são provas da resolução de seus participantes de afastar-se de modelos ocidentais de
desenvolvimento (por exemplo o plano de abandonar o padrão dólar). E talvez cada vez mais. Mas será isso positivo? O mundo afinal segue esse modelo há pelo menos quinhentos anos. De qualquer maneira, é preciso tentar. Possivelmente será inócuo falar de uma multipolaridade autêntica se no mundo "multipolar" do futuro reinar como sempre uma civilização, uma cultura, uma forma de vida e uma moral. A ordem dos fatores não altera o produto. E é possível que assim seja se a política dos BRICS se ativer a objetivos de ordem tática, como o aumento de sua representatividade no FMI, no Banco Mundial ou no Conselho de Segurança da ONU (no caso da Índia e do Brasil), ou a entrada da Rússia na OMF etc. Podemos ir além: a utilidade do BRICS irá desaparecer.
Uma outra questão é: se os líderes dos países emergentes terão a perspicácia de manter em curso a construção de uma nova forma multicultural de relações internacionais (já que cada um dos países do BRICS é quase uma civilização inteira!); uma forma que, tendo absorvido tudo que de melhor reuniu a civilização ocidental, atualmente exaurida de seu potencial de crescimento, ajudará a humanidade a resolver os cada vez mais profundos problemas globais. A Rússia (e o Brasil), como civilizações periféricas, tiveram a chance de desempenhar nesse "concerto" um papel importante na qualidade de peculiares elos entre Ocidente e Oriente, norte e sul de nosso planeta. Alguns podem discordar de mim dizendo: utopia! O abismo cultural entre os povos de diferentes países e regiões aparentemente não estão diminuindo: pelo contrário, estão crescendo. O fardo da incompreensão mútua torna-se cada vez mais pesado e impede a tomada conjunta de decisões importantes. Pois então sejamos realistas: estamos exigindo o impossível! Na história da humanidade, muitas vezes ocorreram momentos em que, ao se deparar com uma difícil escolha, ela venceu honrosamente essas complicadas situações. Tenhamos esperança de que assim seja também dessa vez.
Fonte: Gazeta Russa via Plano Brasil
0 comentários:
Postar um comentário