domingo, 13 de março de 2011

Uma homenagem do GeoPolítica Brasil aos nossos heróis anônimos na região serrana do Rio de Janeiro - Parte II


Dando continuidade a nossa série de entrevistas, com os profissionais e voluntários que se empenharam em salvar vidas e atender as várias pessoas que foram atingidas pelo desastre natural que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, trazemos agora a entrevista concedida ao nosso blog pelo Secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil de Teresópolis, Flávio Luiz de Castro Jesus ao nosso repórter especial Claudio M. Queiroz.


GPB:Conte-nos um pouco sobre quem é o Ten. Cel.CBMERJ Flávio Luiz de Castro Jesus e sua história:

Secretário Flávio:Sou oriundo do CBMERJ, entrei para a academia em 1989 me formando em 1991. O regime lá é de internato, onde tínhamos que chegar aos domingos e saindo nas sextas-feiras à tarde. Terminando a formação fui trabalhar nos quartéis de rua, trabalhando em Campinho, Volta Redonda, Alto da Boa Vista. Neste ultimo foi onde eu tive contato com a área ambiental, mudando minha visão desta área, pois fui trabalhar no grupamento de socorro florestal, combate a incêndios florestais, resgate em montanhas, ou seja atividades mais ligadas ao ambiente natural.

Ao longo do tempo fui me especializando, tendo feito duas pós sobre gestão pública e uma em ciências ambientais. Depois fiz alguns cursos na área de defesa civil por causa dos contatos e vínculos do CBMERJ com esta. Em 2000 trabalhei no Instituto Estadual de Florestas e de lá para cá fui incrementando mais esta área voltada para o setor ambiental, em 2008 fiz outro curso sobre Defesa Civil, e em 2009 vim fazer parte do governo municipal de Teresópolis, tendo inicialmente trabalhado na área ambiental pura e simplesmente, tendo acumulado a Defesa Civil, vindo depois parques e jardins. Hoje a Secretaria de Meio Ambiente e Defesa Civil está cada vez mais forte, mas dentro do contexto administrativo da Prefeitura, sendo uma secretaria de ponta, que tem uma função muito clara que é melhorar a qualidade de vida da população, implementando melhoria com ações ambientais e de defesa civil para que se diminuam os riscos aos mesmos, também implementando a melhoria das praças públicas e áreas de lazer do município.

Um dos grandes projetos na questão preservação ambiental foi à criação do Parque Municipal da Pedra da Tartaruga, tendo este projeto sido todo desenvolvido dentro da secretaria, este foi gerado a partir de um estudo ainda na campanha eleitoral, onde foi levantado um total de 4.300 hectares de área ambiental para ser preservada, sendo o símbolo maior justamente o maciço rochoso conhecido como Pedra da Tartaruga, este um chamariz para algo maior, como o Dedo de Deus é para o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e a cadeia de Montanhas dos Três Picos para o parque estadual de mesmo nome.

Hoje 90% da área deste parque são adjacentes à Pedra da Tartaruga, tendo estudos para ampliação do mesmo com outras áreas de preservação ambiental dentro do município com os mesmos princípios de conservação, mas não sendo contíguos ao principal.

GPB:Como foi a reação quando recebeu as noticias nos primeiros momentos, como ficou o lado humano do Flávio ?

Secretário Flávio:Nos primeiros momentos na madrugada do dia 11 de janeiro para o dia 12 de janeiro por volta das 01:00hs comecei receber ligações informando que bairros estavam tendo problemas, sendo o primeiro o bairro de Bonsucesso com inundações, depois Espanhol com barreiras e por volta das 4:00hs entrou a informação da Granja Florestal. A primeira reação foi ir para a rua e tentar atender onde tinha demanda, pois até aquele momento não tínhamos noção da magnitude do desastre, os primeiros informes eram de bairros onde estes eventos(em menor escala) eram teoricamente previsíveis, sendo o plano de ação da Defesa Civil acionado sempre que a chuva passa de 50mm, os agentes partem para a base para saírem em emergência. Mas o que ocorreu foi que a chuva passou dos 100mm e chegando a valores muitos mais altos que estes. Com isso as equipes ficaram com dificuldades de se locomover para os locais que tinham sido identificados com problemas, inclusive tendo o CBMERJ sofrido com o mesmo problema de locomoção, pois muitas ruas ficaram alagadas.

Através de caminhos alternativos consegui chegar a uma rua onde ocorreram duas barreiras com vitimas, infelizmente resultando em dois óbitos. Como estávamos presos impossibilitados de continuar, fiquei ajudando no resgate de uma das vitimas em frente ao Centro Educacional Beatriz Silva, conseguindo salvar uma senhora soterrada, mas um homem ficou ainda debaixo dos desmoronamentos, pois com a chuva as barreiras continuavam a descer pela encosta dificultando o resgate.

Fiquei até as 5:00hs pois o nível das águas abaixou, conseguimos nos locomover para o bairro do Golf, pois tinha ocorrido desmoronamentos nesta localidade, tendo outras equipes ido auxiliar o CBMERJ no bairro do Espanhol e outra equipe indo para o Campo Grande. Até este momento não sabíamos dos outros bairros atingidos, ao longo do dia os repórteres com informações dos outros lugares atingidos foram chegando, assim como os voluntários para auxiliar nos resgates.

Quanto ao lado humano do Flavio passa a ficar esquecido, pois o lado humano, emocional fica parado, estagnado e vivendo somente o lado racional onde o treinamento e tudo para o que fui preparado veio a me ajudar a deixar meio que anestesiado os sentimentos e executar somente o que fui preparado para fazer, tendo ficado em torno de uns cinco dias assim.

GPB:Se em campo ou não, qual o foi o momento ou momentos mais emocionantes, o que mais te marcou?

Secretário Flávio:Em cada situação é diferente, vivendo uma catástrofe deste tamanho, não canso de dizer que no Brasil ninguém teve esta experiência, por vários motivos. Quem no Brasil trabalhou em grandes catástrofes como esta que ocorreu aqui? Nenhuma delas chegou próxima ao que aconteceu nesta região. Talvez quem gerenciou/trabalhou em Nova Friburgo ou aqui tenham a mesma percepção. Quem foi ajudar no Haiti ou no Chile, não teve relacionamento emocional com os ajudados, pois você não conhece ninguém que está precisando de ajuda. Muito diferente do que ocorreu nesta localidade. Isso foi o que mais me emocionou, lidar com as pessoas que estavam em campo, os relatos dos que estavam em campo, as buscas pelos cadáveres normalmente de pessoas conhecidas ou que tenham algum tipo de relação com você. Em algum momento já ocorreu um encontro social(futebol, círculos de amigos) ou parente de alguém que trabalha com você ou até mesmo a casa de funcionários.

Estas situações por serem pessoas conhecidas, fez que o lado emocional das pessoas envolvidas ficassem muito abaladas, pois todo dia tinha três,quatro ou cinco pessoas da sua equipe retornando de alguma missão chorando. Isto é muito difícil de você gerenciar, administrar, motivar e incentivar para que a equipe retorne a rua no dia seguinte para executar mais resgates.

GPB:O que o lado cidadão do Flávio vê de necessidade para uma Sec.Def. Civil mais atuante, e a palavra do Secretário?

Secretário Flávio:Eu acho que não é uma questão de uma defesa civil mais atuante, e sim a defesa civil ser considerada num contexto mais atual.

Na verdade ela não precisaria nem de uma secretaria específica se tudo ocorresse dentro dos parâmetros de segurança normais, onde não tivessem ocorrido ocupações irregulares de terrenos, construções em encostas, em margens de rios. Se as prefeituras no passado não tivessem autorizado ou se omitido e até mesmo incentivado estas ocupações e as pessoas vivessem em áreas seguras, talvez nem houvesse a necessidade de defesa civil.

O que eu identifico como uma defesa civil mais atuante é uma mudança de cultura na população local e do Brasil. Trabalhamos a tempos, buscando recursos para implementar projetos de segurança, e isto não é em Teresópolis somente, isto é no Brasil como um todo. Esta muito enraizado na cultura brasileira, as pessoas ocupando encostas, áreas de riscos, e nós vamos acompanhando este processo, mas quando se solicita recursos para retirar estas pessoas antes dos desastres nunca é atendido, conseguindo estes somente após os desastres.

De uma forma geral é a cultura brasileira de tratar a conseqüência e não a causa, isto faz que não ocorra economia de recursos na implementação da prevenção, não só na área publica, mas em todas as esferas. Como exemplo a nossa mania de esperar algo parar, como um carro com defeito antes de fazermos uma revisão quando demonstra uma anomalia. Ou seja, vamos levando até onde aguentar, apesar de termos um ditado que diz “é muito melhor prevenir do que remediar”, nós não fazemos isto. É uma verdade muito ruim, pois você tem condições de fazer um trabalho muito melhor se conseguíssemos implantar projetos de prevenção para se evitar acidentes. Isso é muito difícil por questões financeiras, escassez de verbas para isso, quando existem elas são pequenas e tem que ser divididas em todas as áreas, isso não é uma questão especifica da defesa civil e sim de todos os setores da gestão pública.

GPB:Quais os pensamentos para o futuro a respeito do que aconteceu e o que pode vir acontecer ainda?

Secretário Flávio:A idéia é aproveitarmos este momento para que consigamos tirar o máximo possível de pessoas das áreas de riscos.

Complementando a pergunta anterior, como é agora que as verbas estão chegando então que façamos a aplicação destas bem feita, potencializando este dinheiro para tirar o máximo de pessoas das áreas de riscos, para que possamos transformar Teresópolis em uma cidade segura, apesar de estarmos fazendo um trabalho de remoção dos moradores das áreas de risco ainda existem muitos retornando para as suas casas que foram interditadas, fazendo que nos demande mais trabalho onde já tinha sido feito. Não abriremos mão de levar este processo até o final.

Como exemplo, existe todo um processo para que os proprietários das casas interditadas seja indenizados, para que isto ocorra é necessário que o mesmo autorize a demolição de sua residência, onde ele receberá todo o apoio financeiro para a compra, construção ou outro método de indenização para sua nova moradia. Sendo que existe muita informação errada e maldosa sendo falada, inclusive com incentivos para que a população fragilizada emocionalmente se revolte com os órgãos públicos, mas devemos informar que a prioridade de indenização de moradias é para a população de baixa renda e com dificuldades de se reerguerem sozinhas.

Infelizmente existe muitas pessoas envolvidas no meio político se aproveitando do momento para trazer benefícios próprios fazendo movimentos irresponsáveis para que pessoas voltem para os lugares atingidos e com grandes riscos de vidas, mas a administração está mapeando isto e preparando meios legais para que caso ocorram novas catástrofes estas pessoas irresponsáveis venham a serem acionadas juridicamente e criminalmente.

Hoje estamos com os processos caminhando dentro da velocidade normal planejado da secretaria, mas infelizmente por causa de vários fatores como boatos, cansaços dos desabrigados, tem feito que estas voltem para as áreas atingidas fazendo que a Defesa Civil venha a ter que refazer um re-trabalho inclusive trazendo problemas pois as equipes que são deslocadas para este trabalho poderia e deveriam estar em outras áreas liberando as sub-localidades que não foram atendidas ainda com desobstrução de ruas, e outras prioridades.

GPB:Algo que ficou sem ser feito pela Flavio cidadão?

Secretário Flávio:O Flavio cidadão deixou de existir no dia 12 de janeiro de 2011 e somente no dia 20 de fevereiro ele voltou a retornar a vida normal, onde pude rever minhas filhas, uma de oito e outra de dez anos. Desde ocorrido o Flavio era funcionário público das 6:00hs as 18:00hs e depois voluntário no restante do dia.

GPB:Como consegue lidar com as cobranças, muito delas infundadas da comunidade ?

Secretário Flávio:Eu acho que o importante nesse momento é que as pessoas confiem na Defesa Civil, que não esta em campo para prejudicar ninguém como dizem os boatos. Se estamos hoje impedindo a passagem e o acesso de moradores nas localidades, é por que queremos única e exclusivamente o bem destes moradores, não por que não gostamos ou queremos prejudicar os moradores.

Se no passado nós não tivemos oportunidade de impedir a ocupação desordenada e a ocupação de áreas de risco, hoje nós temos a obrigação legal e a competência técnica para fazer isto. Pois precisamos fazer desta cidade com a população vivendo em áreas seguras, uma cidade segura, por que senão qualquer 10 mm de chuva as pessoas saírão de suas casas e correrão para as ruas procurando segurança, por que continuam morando inseguras e pode ocorrer de que não consigam sair e venham a morrer.

Então acreditem no que a Defesa Civil fala e não no que os boateiros de plantão falam, pois estamos aqui para proteger a população.

GPB:Muito obrigado Secretário Flávio por nos conceder esta entrevista, queremos agradecer por todo o trabalho que o senhor e sua equipe vem desenvolvendo na cidade de Teresópolis e desejamos sucesso na busca pela segurança da população da cidade, que esta população venha a compreender o trabalho da Defesa Civil e atender ás suas solicitações para o bem de todos.


Nota do Blog: O GeoPolitica Brasil agradece aqui aos nossos heróis anônimos, sejam eles civis,militares ou servidores públicos, pois é louvável ver a união de todos em busca de ajudar ao seu próximo, e esperamos que sempre possamos contar com estas pessoas que abrem mão do "eu" em prol de outras pessoas em face as dificuldades que a vida nos apresenta.

Aqui encerramos nossa série em homenagem aos heróis que atuaram na região serrana do Rio de Janeiro, esperando que todos reconheçam que cada um pode fazer a sua parte e ajudar a quem precisa.
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