sexta-feira, 4 de março de 2011

Um ano mais de espera não pode agravar o negócio, mas poderá servir para a conveniente higienização


Mais do que confuso, ou deliberadamente mal explicado, o tal corte de R$ 50 bilhões nos gastos governamentais previstos para este ano juntou-se ao folhetim dos caças para formar a percepção de atos incorretos do governo anterior e do atual.

Para decolar com os caças, Guido Mantega: "Neste ano não há dinheiro para os caças". Ótimo. Por numerosos motivos. Um dos quais, entre os importantes, é que esse negócio está submetido a tratamentos inaceitáveis desde sua fase inicial, há 12 anos, ainda no governo de Fernando Henrique. Um ano mais de espera não pode agravá-lo, mas poderá servir para a conveniente higienização.

Na mesma segunda-feira em que a sentença de Mantega fazia mais uma desautorização a Nelson Jobim -um ministro que já está pequenino de tantas vezes que sua autoridade foi cortada na história dos caças-, um discreto texto na "Gazeta Russa" trazia duas novidades sobre o negócio. Estava na "Gazeta Russa", incluída na Folha em par com "The New York Times". O jornalista Viktor Litóvkin informava que Brasil e Índia receberam da Rússia a oferta de participação no projeto de um caça de quinta geração, já em testes, com possibilidade de venda para terceiros. O Brasil ainda não deu a "resposta definitiva". Aqui, o Ministério da Defesa não deu tal notícia.

A exclusão anterior dos russos, porém, ao que explicou Litóvkin, deu-se porque o Brasil exigiu a compensação de compra, pela Rússia, de jatos comerciais da Embraer equivalentes ao seu Superjet-100. Pode-se tomar a exigência como pretexto, porque os Estados Unidos tinham reagido à preferência dos testes técnicos da FAB pelos Sukhoi russos. A Rússia tinha restrições à plena transferência de tecnologia do seu jato então mais moderno, mas essa dificuldade não altera o fato de que o governo brasileiro montou uma concorrência desleal. Aos franceses, por certo, não foi exigida a mesma compensação, nem consta que o fosse aos americanos, cujo caça é também aprovado pela FAB, embora, em princípio, a ele preferisse o projeto conjunto com os suecos. Concorrência à brasileira, pois.

Em referência ao que seriam cortes propriamente, os ministros Guido Mantega e Míriam Belchior (Planejamento) limitaram-se a uma encenação de explicações e de entrevista coletiva. O corte mais gritante, por exemplo, que teria reduzido em R$ 5,1 bilhões a verba do programa Minha Casa, Minha Vida, serviu muito para notícias, mas não para cortar gasto. Os próprios ministros informaram que o corte refere-se à verba de uma medida provisória que nem está aprovada pelo Congresso: refere-se a uma nova etapa do programa que não seria desenvolvida necessariamente, neste ano, e só o seria, se o fosse, em parte. Ou seja, o gasto cortado não era gasto.

Com o aumento do funcionalismo dá-se o mesmo. Nem figurava no Orçamento, logo, a referência a sua exclusão neste ano é apenas retórica. O corte em investimentos já contratados do Ministério da Defesa também não é corte de gasto. É adiamento a ser negociado, o gasto continuará.

O corte dos R$ 18 bilhões acrescentados ao Orçamento por emendas de parlamentares, por sua vez, é mais nominal do que efetivo, porque as emendas de deputados e senadores dependem de liberações que, por tradição, ocorrem o mínimo possível. Mas tem, no caso, o aspecto positivo de confrontar os parlamentares e seus modos de manipulação do Orçamento dos três Poderes.

Belchior e Mantega ficaram devendo uma explicação ainda mais interessante. Incluíram R$ 3,1 bilhões de um corte a resultar de auditorias a serem feitas para identificação de fraudes nas folhas de aposentadorias, pensões e outras. Como sabem que o montante das irregularidades é aquele? E, se sabem, sabem também onde estão as fraudes, sem precisar de contrato com auditorias externas. Se não sabem e precisam das auditorias, agem incorretamente com a opinião pública e com o próprio governo.

Fonte: Folha
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