quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Dilma deixa compra de caças para 2012


Por conta da situação fiscal preocupante e de dúvidas sobre a melhor opção, a presidente Dilma Rousseff definiu que a compra dos novos caças da FAB pode até ser decidida no fim deste ano, mas qualquer gasto só será feito a partir de 2012.

Com um corte em estudo que deve superar os R$ 40 bilhões no Orçamento e o trauma gerado pela tragédia no Rio, seria politicamente difícil para o governo decidir por um negócio tão caro neste momento em que o discurso é de austeridade.

A compra dos 36 aviões de combate não sairá por menos de R$ 10 bilhões. Será financiado, mas requer uma parcela imediata. Dilma também já havia decidido colher mais informações. O antecessor, Lula, havia concentrado o processo nas mãos do ministro Nelson Jobim (Defesa).

Além de ter feito questão de uma conversa a sós com o comandante Juniti Saito (aeronáutica), ela também entregou documentos ao ministro do Desenvolvimento, seu amigo Fernando Pimentel.

Dilma quer ouvir setores fora do governo, principalmente a Embraer, e criar um grupo interministerial que examine a questão, reanalisando os argumentos da FAB (pró-Gripen sueco) e da Defesa (pró-Rafale francês).

A negociação de preço provavelmente só ocorrerá após a escolha de um dos três concorrentes -o terceiro é o F/A-18 dos EUA- e não há hoje a possibilidade de reabertura do negócio a outros concorrentes.

O adiamento confirma a enfraquecida posição do francês Dassault Rafale, preferido de Lula e de Jobim.

Mais caro dos aviões oferecidos e o último na preferência da FAB, ele sairia por US$ 8 bilhões (R$ 13,3 bilhões ontem), mas Jobim diz ter conseguido abater US$ 2 bilhões (R$ 3,3 bilhões) do valor.

Crescem, por consequência, as chances da opção mais barata, que era a escolhida pela avaliação técnica da FAB, o sueco Saab Gripen -cujo pacote custa US$ 6 bilhões (R$ 10 bilhões).

E um reforçado lobby norte-americano recolocou no páreo o Boeing F/A-18, cuja venda com armas e logística foi ofertada por US$ 7,7 bilhões (R$ 12,9 bilhões).

Dilma ouviu o lobby pessoalmente do senador John McCain, na semana passada.

Disse a ele que o avião seria considerado, se houvesse uma manifestação explícita do Congresso americano de que não haveria veto à transferência de tecnologia de componentes do caça.

Até aqui, argumenta, a garantia é do governo dos Estados Unidos.

O senador americano disse que conseguirá uma carta com manifestação do Congresso americano. A instituição já aprovou a proposta da Boeing, mas pode haver vetos no futuro.

O maior derrotado no processo, contudo, é Jobim, que buscava uma decisão rápida.

Ele defende a consonância com a parceria já estabelecida com a França, que vendeu submarinos e helicópteros por mais de R$ 20 bilhões no ano retrasado.


Opinião Janio de Freitas

O REINÍCIO, com maior abertura e novas bases, da concorrência para os futuros caças da FAB alcança muito mais do que a recusa ao negócio forçado, e agendado mais de oito vezes pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, com a fábrica francesa Dassault e contra os pareceres dos técnicos militares brasileiros.

A decisão de Dilma Rousseff põe em suspenso também, com a cautela diplomática de não o mencionar, a "aliança estratégica" do Brasil com a França, tal como acertada por Lula e Nicolas Sarkozy. O que, por sua vez, levará a reconsiderações nos desdobramentos práticos da Estratégia Nacional de Defesa, o mirabolante plano armamentista de custo estimado em US$ 40 bilhões (antes da desvalorização do dólar).

Outro efeito do reinício da concorrência -não declarado, mas implícito na abertura a mais concorrentes- recai nas relações políticas com os Estados Unidos. A aceitação de mais concorrentes significa a possibilidade de que a Rússia volte a propor o seu caça Sukhoi.

Tal admissão pelo Brasil contém a recusa ao veto emitido pelos Estados Unidos, e aceito pelo governo Fernando Henrique Cardoso na primeira concorrência dos aviões, quando o russo Sukhoi destacou-se na seleção da FAB. Àquela altura, a contrapartida de incremento no comércio bilateral era dada como parte determinante na concorrência, e também nesse aspecto, contrariando as expectativas, a Rússia fez as melhores ofertas.

Não houve outro jeito: vieram o veto e a curvatura de espinha do governo brasileiro, como no Sistema de Vigilância da Amazônia em que os vencedores franceses foram despachados para escanteio. Agora há um problema adicional para os Estados Unidos, além da soberania aparentemente implícita na atitude do novo governo.

Se o caça russo, testado na primeira seleção por uma equipe da FAB na Força aérea da Índia, já obteve a preferência, agora há um modelo ainda mais avançado. E neste estaria, como uma das razões da maior abertura da concorrência, a atenção da FAB, considerado que talvez só a China, além dos russos, se disporia a confrontar-se com os principais fabricantes.

Sob aspectos formais e institucionais, é muito positiva a sustação do simplismo com que foram estabelecidas e admitidas a "aliança estratégica" com a França, a escolha dos caças franceses contra o parecer da FAB, e as pressões de Nelson Jobim para conclusão desse negócio de US$ 6 bilhões.

Mereceria o mesmo tratamento o negócio feito com franceses para submarinos nucleares (cinco, ao final) e mais de 20 convencionais, além de um estaleiro e uma grande base no Estado do Rio. Sem concorrência nem sequer para a obra, que já veio entregue no pacote, com a malandragem de praxe pelos governos francês e brasileiro, à empreiteira Odebrecht. Mas esse negócio pôde andar mais depressa, se bem que haja margem para voltar a ele e seus primórdios na região de Sepetiba.

Fonte: Folha
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