segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Os supernavios de guerra da Vale


O maior navio de guerra do mundo é um porta-aviões americano chamado Enterprise, que mede 342 metros de uma ponta a outra e pode carregar 85 caças. Os dois maiores transatlânticos em atividade no mundo, da Royal Caribbean, têm 360 metros de comprimento e transportam mais de 5 mil pessoas cada. Em breve, uma empresa brasileira vai estrear nesse clube: é a mineradora Vale, maior companhia privada do País, que está construindo sua própria frota de supernavios.

São 35 navios que, uma vez prontos, serão os maiores em operação no mundo. Iguais a eles, só haverá os outros dois da Royal Caribbean. Eles vão custar US$ 4 bilhões. Com 360 metros de comprimento, cada navio terá capacidade para 400 mil toneladas, o equivalente ao peso de 470 mil carros Fiat Uno. Um cargueiro comum não chega à metade disso. No passado, até havia algumas embarcações maiores, mas foram desativadas e viraram sucata ou tanques para estocar petróleo em alto mar.

A frota da Vale está sendo montada para brigar com as mineradoras australianas na Ásia, principalmente no mercado chinês. A Vale deve vender este ano 140 milhões de toneladas de minério de ferro para a China, quase metade da produção total da empresa, mas quer ampliar esse volume. Para isso, os brasileiros precisam anular a vantagem geográfica dos australianos, que estão bem mais perto da Ásia.

O minério brasileiro demora 45 dias para chegar à China, enquanto os australianos precisam de apenas 15 dias de navegação. “Cada tonelada que mandamos para a China paga 30 dias de frete a mais do que o minério da Austrália. Os novos navios farão nosso produto chegar mais barato”, afirma José Carlos Martins, diretor executivo de Marketing, Vendas e Estratégia da Vale.

Dependência. A missão da frota gigante será entregar grandes quantidades de minério com maior rapidez e, principalmente, acabar com a dependência dos armadores internacionais. A Vale está construindo seus navios na China e na Coreia do Sul. Os primeiros ficam prontos no ano que vem e os outros serão entregues aos poucos até o fim de 2014.

Nem todos serão propriedade da mineradora. Das 35 embarcações, 19 foram encomendadas diretamente pela Vale e as demais por armadores que irão trabalhar com exclusividade para ela durante 25 anos – a vida útil desses navios.

Eles são tão grandes que só conseguem atracar nos portos da própria Vale, no Maranhão e no Espírito Santo, e nos principais portos da China. O detalhe é que a empresa tem projetos prontos para fazer navios ainda maiores, com capacidade para 500 mil e 600 mil toneladas, mas desistiu de fazê-los agora porque não haveria portos com capacidade de recebê-los. “Seria preciso investir muito em dragagem e em equipamentos. Mas no futuro eles serão feitos”, afirma Martins, da Vale.

Os supercargueiros chamam a atenção, mas eles são parte de uma empreitada mais ambiciosa. Desde o ano passado, a Vale vem montando, discretamente, uma das maiores frotas privadas do mundo. Entre navios novos, usados e petroleiros convertidos para graneleiros, o mercado estima que a mineradora brasileira tenha comprado cerca de 100 embarcações de 2009 para cá. A Vale não confirma esse número. Mesmo no caso dos supernavios, até agora a companhia só tinha falado das primeiras 12 encomendas. Os outros 23 só estão aparecendo agora.

Espionagem. Dois motivos levam a empresa a ser discreta. O primeiro é a concorrência. A Vale atua num mercado de poucas empresas, que fica mais concorrido a cada ano. Maior mineradora de ferro do mundo, a Vale e suas rivais ficam se espionando o tempo todo, uma tentando atrapalhar o caminho da outra.

Por isso, a companhia não quer que os concorrentes conheçam todos os seus passos. “A Vale já tem o melhor produto do mundo (o minério de Carajás, no Pará)”, diz o consultor Sérgio Alves, que trabalha para mineradoras asiáticas no Brasil.”Quando ela passa a controlar também o transporte marítimo, ganha enorme competitividade, já que o frete é tão importante quanto o preço do minério. Os australianos devem estar preocupados.” De acordo com a mineradora, só com os navios já comprados houve uma economia de US$ 3 bilhões em relação ao que teria sido pago em fretes a terceiros.

O outro motivo é político. O governo e os fabricantes nacionais de navios e equipamentos fizeram pressão para que a Vale construísse seus navios no Brasil. Antes de fazer as encomendas, a mineradora fez uma tomada de preços junto aos estaleiros locais.

A maioria já estava comprometida com encomendas para a Petrobrás, além de embarcações menores para a própria Vale. Os únicos dois estaleiros com agenda disponível para atender ao pedido cobravam, segundo a mineradora, quase o dobro do preço dos fabricantes da Ásia. “Seria interessante fazer esses navios no Brasil, mas não havia como”, diz o consultor Sérgio Alves. “Além disso, não tinham preço competitivo. Não era uma questão de querer ou não.”

Fonte: O Globo
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