terça-feira, 7 de setembro de 2010
América Latina-China: os perigos de uma nova relação
A taxa de exportações da América Latina e do Caribe voltará a crescer este ano, em especial graças à demanda da China. Mas o atual modelo “primário” das exportações para este país pode resultar em um esquema de dependência com esse gigante e a própria região asiática, alertou a Cepal. “Claramente a relação comercial da região com a China pode se transformar em uma do tipo centro-periferia. Nós somos seus provedores de matérias primas, sem maior valor agregado, e eles nos devolvem os produtos elaborados”, disse a IPS Claudia Casal, investigadora do Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (Cenda), do Chile. Casal participou do estudo “As relações econômicas e geopolíticas entre China e América Latina – Aliança Estratégica ou Interdependência Assimétrica?”, publicado em 2009 pela Rede Latinoamericana de Investigações sobre Companhias Multinacionais, que reúne instituições de pesquisa sobre o trabalho e sindicatos de sete países da região.
Este tema precisamente merece destaque no último informe da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) sobre a inserção internacional da região, apresentado semana passada na sede da entidade em Santiago. “A relação comercial entre a região e a Ásia oferece tanto oportunidades como desafios”, diz o documento de 216 páginas. Entre os desafios, especifica, “é particularmente importante evitar que o crescente comércio entre ambas regiões reproduza e reforce um padrão de comércio de tipo centro-periferia, onde a Ásia (e a China em particular) apareceria como um novo centro e os países da região como a nova periferia”. O “Panorama da Inserção Internacional da América Latina e Caribe 2009-2010”, da Cepal, projeta que as exportações da região crescerão 21,4% este ano, impulsionadas principalmente pela venda de matérias primas da América do Sul.
Revertendo a queda de 22,6% de 2009 em relação ao ano anterior, a retomada das exportações será impulsionada pela demanda da Ásia e particularmente da China, diz o estudo anual desta agência especializada da Organização das Nações Unidas. A taxa de crescimento das exportações da América Latina para a China passou de um retrocesso de 2,2% nos seis primeiros meses de 2009, para 44,8% no mesmo período do presente ano. Segundo a Cepal, a China poderia substituir a União Européia como segundo sócio comercial da região em meados desta década. O gigante asiático já é o primeiro destino das exportações de Brasil e Chile, o segundo da Argentina, Costa Rica, Cuba e Peru, e o terceiro da Venezuela.
No entanto, fazendo um balanço da estrutura das exportações latinoamericanas na última década, a Cepal concluiu que a tendência é rumo a uma “reprimarização” das exportações. Isso quer dizer que, enquanto em 1999, as matérias primas compunham 26,7 do total de vendas, em 2009, elas já constituem 38,8% do total. Devido aos altos preços internacionais, a América do Sul duplicou suas vendas externas, especialmente de recursos naturais. Em troca, México e América Central reduziram em mais de 50%. A participação do México nas exportações totais da região caiu de 40%, em 2000, para 30% em 2009, enquanto que o Brasil aumentou sua participação de 13% para aproximadamente 20% no mesmo período. “O balanço preliminar do desempenho exportador na década mostra que a região não conseguiu avanços significativos na qualidade de sua inserção comercial internacional”, diz o estudo da Cepal.
“A expansão dos setores associados aos recursos naturais, impulsionada principalmente pela demanda asiática, não contribuiu suficientemente para a criação de novas capacidades tecnológicas para a região”, acrescenta. Neste sentido, a secretária executiva da Cepal, a mexicana Alicia Bárcena, enfatizou que a tríade que a região necessita fortalecer é “produtividade, inovação e convergência”. O estudo da Rede Latinoamericana de Investigações sobre Companhias Multinacionais, do qual participou Claudia Casal, também adverte que hoje “a relação China-América Latina se apresenta de forma assimétrica, marcada pelas necessidades chinesas e reforçada pela estrutura limitada das exportações dos países da região”.
“Estrutura-se uma relação econômica desigual – ainda que esta se expresse de diferentes formas nos distintos países – que pode levar a um estreitamento da margem de manobra dos países latinoamericanos”, registra a pesquisa realizada com contribuições da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai. Segundo a Cepal, os governos latinoamericanos deveriam fomentar a competitividade das pequenas e médias empresas, capacitar a mão de obra, desenvolver encadeamentos que vinculem os setores exportadores com o resto da economia e aproveitar os avanços em áreas como a biotecnologia, entre outras. A agência também defendeu a busca de aproximações com a China e a região Ásia-Pacífico. Destaca-se, por exemplo, a iniciativa do Arco do Pacífico Latinoamericano, integrado por Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Peru.
Segundo estimativas da Cepal, as exportações do Mercosul – formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – cresceram este ano 23,4% em relação a 2009, e as dos países andinos 29,5%. No entanto, as vendas do Mercado Comum Centroamericano só aumentaram 10,8%.
Fonte: Carta Maior
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