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segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Para especialista, dinâmica interna do Iraque foi mais importante que ação dos EUA
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GBN News
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Há uma crescente corrente de estudiosos que questiona a versão oficial americana sobre a guerra do Iraque, que diz que o "surge" (escalada no número de tropas) e uma estratégia brilhante de contrainsurgência aplacaram a violência no país. Um de seus expoentes é Barry Posen, diretor de estudos de segurança do MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Para ele, a função dos EUA foi mais a de uma força de paz, depois de uma guerra civil brutal ser vencida pelos xiitas. Em entrevista à Folha, ele afirmou que dinâmicas internas iraquianas tiveram papel tão ou mais importante do que o plano dos EUA no Iraque.
FOLHA - Porque o sr. não crê que foi a contrainsurgência que dominou a violência?
BARRY POSEN - Há uma história idealizada sobre o que aconteceu, parte da narrativa oficial e parte construída por defensores do "surge".
A visão "rosada" é a de que aumentar o número de soldados no Iraque e usar a contrainsurgência produziu um círculo virtuoso de efeitos. O país ficou mais seguro, a população se sentiu mais protegida e ofereceu mais informações de inteligência, que ajudaram a prender ou matar os bandidos, as forças de segurança iraquianas ficaram mais confiantes, e por aí vai. Isso teria baixado o número de ataques de insurgentes.
Não há dúvida de essas coisas aconteceram. A questão é qual a relação de causalidade entre elas. Há outras coisas que aconteceram que foram tão ou ainda mais importantes para chegar a esse resultado.
A primeira é o racha entre insurgentes sunitas entre essencialmente duas facções --fundamentalistas linha-dura, a chamada Al Qaeda no Iraque, e os insurgentes mais localizados, membros de tribos e de orientação mais nacionalista.
Há várias razões para a divisão, como disputas pelo controle de rotas de tráfico, por fontes de renda, e elas ficaram mais intensas depois que grandes grupos de sunitas viram vantagens em colaborar com os americanos para reprimir os rivais.
Especialmente na região de Anbar, o que importou mais foi a disputa interna entre os sunitas. Os EUA estavam em boa posição para explorar a situação, mas não a causaram. A disputa veio por questões que são orgânicas ao Iraque.
A segunda causa para a queda da violência foi o que ocorreu em Bagdá com a disputa entre xiitas e sunitas. Havia milícias xiitas que foram brutais contra sunitas, e os expulsaram de muitas partes da cidade. As populações que eram misturadas foram isoladas. Os xiitas venceram a guerra civil em Bagdá, de uma forma sangrenta e terrível, e dominaram os bairros.
Não é que os EUA tivessem uma política de deixar que as milícias xiitas fizessem o trabalho sujo por nós; é que não tínhamos a capacidade de impedir que fizessem isso.
Os americanos só puderam agir de verdade depois que a luta se apazigou. Construíram muros para manter o isolamento sectário que já havia sido estabelecido. E como os xiitas já haviam vencido, foi relativamente fácil convencer as milícias a baixar armas. Aí realmente a segurança melhorou.
FOLHA -Então qual foi o papel real do "surge" e da contrainsurgência?
POSEN - Quando a história for escrita no futuro, acho que ficará mais claro que os americanos agiram mais como forças de paz em uma guerra civil do que como contrainsurgentes. Houve uma guerra civil terrível que não pudemos realmente deter. Tampouco derrotamos realmente a insurgência.
Ao final da guerra, os EUA ajudaram a separar e organizar os dois lados e a convencê-los de que não era mais preciso manter o derramamento de sangue.
Os americanos também tiveram algum sucesso em capturar e matar insurgentes. Por muitos anos usamos forças especiais para prender e matar muita, muita gente. Colocamos milhares e milhares na cadeia, só por suspeitar que poderiam causar problemas. As forças especiais continuam no Iraque, aliás, e ainda fazem isso.
O que aconteceu então foi o seguinte: a) os "bandidos" racharam; b) os xiitas fizeram uma limpeza étnica em bairros de Bagdá expulsando os sunitas; c) ajudamos a reorganizar a situação; d) prendemos e matamos muita gente.
Todas essas coisas juntas fizeram as mortes de civis caírem enormemente. Só não acho que isso seja resultado apenas das ações das forças dos EUA, mas mais de dinâmicas internas.
FOLHA - Qual é o maior foco de instabilidade agora?
POSEN - Acho bastante chocante que ainda haja grupos violentos no país que --após todos os esforços dos americanos, todas as prisões, todas as batalhas-- ainda sejam fortes o suficiente para infligir ataques coordenados às forças de segurança iraquianas.
Não me parece que esses grupos vão ficar mais fracos agora --já foram enfraquecidos o máximo possível. Talvez fiquem gradualmente mais fortes de novo.
O segundo fator de instabilidade é a política. A classe política iraquiana é formada por um bando de incompetentes mimados. O país está em sérios problemas e eles não têm nenhuma compulsão para sentar e resolver logo a formação do governo. Não dá para esperar muito deles. Mesmo os xiitas, vencedores da guerra civil, se dividiram.
Não creio que as coisas voltarão ao pior nível da violência. A guerra civil estabeleceu alguma ordem por um bom tempo. Mas a situação não é tão boa assim.
FOLHA - Considerando todas essas dinâmicas internas, que lições dessa guerra podem de fato ser aplicadas ao Afeganistão?
POSEN - Acho que a maioria dos estudiosos reconhece que não há quase nenhuma. As pessoas querem achar que há lições, e muitos envolvidos em aconselhar o Pentágono acreditam que foram eles que venceram a guerra.
Bom, em primeiro lugar, o círculo virtuoso que veem no Iraque só funcionou depois que os iraquianos criaram as condições para isso. Nada indica que os afegãos farão o mesmo. Tampouco há nada análogo à guerra civil iraquiana.
E o Taleban é muito mais imiscuído na população afegã do que a Al Qaeda e os fundamentalistas o eram entre os sunitas iraquianos.
Há ainda o complicador do apoio paquistanês aos insurgentes afegãos. E os afegãos são muito menos educados. É muito mais difícil treinar um policial que não sabe ler.
Os dois países basicamente não são muito similares
Fonte: Folha
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