sexta-feira, 23 de julho de 2010
Política Externa: Debate e Balanço
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GBN News
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Nos últimos anos, a solidez das relações internacionais brasileiras tornou-se evidente no cenário global. Dentre as iniciativas que representam este salto qualitativo encontram-se: a diversificação de parcerias Sul-Sul e Norte-Sul, a consolidação de coalizões de geometria variável como o G20 comercial e financeiro, o Fórum de Diálogo IBAS, o comando da Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), a mediação de questões sensíveis referentes à proliferação nuclear (Irã) e instabilidades políticas (Honduras, América do Sul), o avanço das nações emergentes (Cúpula dos BRIC), além da ajuda e cooperação técnica a nações mais pobres.
A projeção em questões mundiais, e não somente nas relativas a um espaço ou tema como América do Sul e comércio, retomou uma tradição e patrimônio esvaziado na década anterior e tornou a política externa foco de debate. Estas discussões estenderam-se democraticamente à sociedade, demonstrando que a participação internacional resulta de um contexto político e econômico de estabilidade e recursos, somado ao amadurecimento do Brasil e sua população, que reconhece o país como potência, assim como cada vez mais o fazem outros Estados. Embora em diversas oportunidades este diálogo tenha ocorrido de forma construtiva, buscando elucidar os porquês de prioridades e movimentações, em outras o que se observou foi a crítica fácil.
Esta dinâmica demonstra-se em polarizações ideológicas, avaliações parciais e fabricação de crises que atribuem às escolhas brasileiras resultados como isolamento, perda de credibilidade, enfraquecimento e ausência de legitimidade. Observa-se em certos meios a prevalência de um balanço negativo destas experiências, comparadas a um falso positivo: os anos 1990 e sua postura minimalista. Mesmo quando houve continuidade, característica da política de Estado, apontou-se quebra que levou à suposta radicalização. Neste campo inserem-se a integração sul-americana, o pleito ao assento de membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU), a defesa do sistema multilateral justo na Organização Mundial de Comércio (OMC), descontextualizados e avaliados como exercícios de poder. Vitórias em painéis da OMC contra o protecionismo norte-americano, como no caso do algodão, e o direito do Brasil retaliar os EUA foram apresentadas como agressões e não resultado de um julgamento legal no âmbito da organização.
A manifestação mais recente foi a alegação de que o PT possuiria envolvimento com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), e que o Brasil apóia ditadores, visando benefícios comerciais e financeiros em detrimento da democracia. Em Honduras, porém, quando o país defendeu este princípio, apontaram enganos. Similar padrão fora aplicado a situações como as da Venezuela, Bolívia e Equador, existindo alegações de fraqueza ao lidar com o Paraguai sobre Itaipu. A participação turco-brasileira nas negociações referentes ao programa nuclear iraniano permanece alvo de controvérsia, assim como a intermediação nas conversações Israel-Palestina e a presença no Oriente Médio. Para os próximos dias, pode-se aguardar alegações de que o rompimento diplomático entre Venezuela e Colômbia foi resultado do apoio a Chavéz. Alternam-se acusações de excesso as de timidez, que revelam as motivações, a inconsistência e o fator conjuntural das críticas.
Com relação ao acordo nuclear, as diferenças de postura com os EUA trouxeram a tona novamente o tema do anti-americanismo, que surgira devido às posições diante da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e da Rodada Doha. Devido às divergências das agendas foi atribuída ao Brasil a paralisia de ambos. Todavia, guardadas as tradicionais elevações de retórica para defesa de interesses, em nenhum momento houve rompimento bilateral. Associou-se ao Brasil peso desproporcional na definição do fracasso e/ou sucesso de qualquer uma destas negociações, entendidas como via de mão única, quando muitos obstáculos residiam nos EUA.
Além de relegar o país a uma posição secundária, estas visões revelam uma incompreensão das fragmentações norte-americanas, seus mecanismos políticos-decisórios e do equilíbrio de poder mundial pós-Guerra Fria. Dentre as percepções equivocadas encontra-se a da unipolaridade, obscurecendo a ascensão político-econômica de potências regionais, emergentes ou desenvolvidas, gerando desconcentração de pólos. Estas avaliações subestimam o interesse norte-americano em dividir ônus com aliados que exerçam papel estabilizador em seus espaços regionais. Supõe-se forte unidade nos EUA, ignorando as disputas partidárias pela hegemonia interna e a permeabilidade aos grupos de interesse. O poder de determinados lobbies é elevado, afetando as ações do Executivo.
Isto não significa a eliminação de divergências ou que os EUA não buscariam conter os aliados (não esquecendo de iniciativas como a reativação da Quarta Frota no Atlântico Sul), mas demonstra uma recomposição de forças. Ao longo da história, como parte de sua cultura, a sociedade norte-americana não valoriza políticas de fraqueza, descarta os que não lhe oferecem nem riscos e nem oportunidades. A despeito do que fazem supor os ruídos, a relevância do Brasil somente aumentou e não diminuiu.
Mesmo conscientes que o exercício da justificação é parte da dominação, é fato que nos documentos oficiais os “novos centros de poder” ganharam espaço. A leitura da grande estratégia lançada em Maio pela administração Barack Obama, a NSS-2010, reconhece estas mudanças, algo que ocorre desde o final do governo George W. Bush. Pode ser este apenas um movimento defensivo e não propositivo? Certamente, mas é curioso observar afirmações como
Os EUA são parte de um ambiente internacional dinâmico, no qual diferentes nações estão exercendo maior influência (...) estamos trabalhando para construir parcerias mais profundas e eficientes com outros centros de influência chave- incluindo China, Índia e Russia (...) África do Sul e Indonésia (...)
E sobre o Brasil?
A liderança do Brasil é bem vinda e desejamos nos mover além das ultrapassadas divisões Norte-Sul para alcançar progressos em questões bilaterais, hemisféricas e globais. O sucesso macroeconômico do Brasil aliado aos esforços para diminuir diferenças sócio econômicas, oferecem importantes lições para países por todas as Américas e a África (...). Como guardião de um patrimônio ambiental (...) único e líder em combustíveis renováveis (...) é um parceiro (...) para (...) mudança climática global e (...) segurança energética. E no contexto do G20 e da Rodada Doha, trabalharemos ao lado do Brasil para assegurar que o desenvolvimento e a prosperidade sejam compartilhados (...)
Mais do que reconhecer esta percepção é necessário descolar-se dela uma vez que a avaliação da política externa não pode ou deve ser realizada somente a partir deste prisma. O seu referencial é o conjunto de esforços do país, que possui identidade, prioridades e projeção internacional. A conclusão é de um balanço positivo. Da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) aos G20 comercial e financeiro, ao IBAS, ao exercício da liderança focada em temas sociais (fome, saúde, desenvolvimento) observa-se autonomia e equilíbrio. Fazendo uso dos termos norte-americanos, o Brasil exerce a diplomacia do “poder inteligente” (smart power).
Existem ajustes a realizar? Sim, em questões de sobreposição de projetos, encruzilhadas sócio-econômicas, elementos de infraestrutura e o reforço da base de poder, demandando engajamento contínuo. O interesse nacional, e como parte dele, as relações internacionais, são dinâmicas e para responder aos seus desafios é fundamental o diálogo. As atuais conquistas, das quais se tornaram simbólicas a Copa-2014 e as Olimpíadas-2016, não podem ser encaradas com um fim em si mesmas, mas sim como parte de um projeto, ao qual existem alternativas, inclusive de retrocesso.
Fonte: Carta Maior
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