sexta-feira, 30 de abril de 2010

Energia, um tema central de Segurança e Defesa


Sabemos que, um dia, os combustíveis fósseis terão o seu fim mas exageram-se os receios de que o atual modelo energético mundial baseado no petróleo esteja perto do esgotamento. James Howard Kunstler faz uma descrição calamitosa dessa situação no livro que publicou em 2006, “O Fim do Petróleo”, chamando a atenção para o «modo de funcionamento da estrutura do nosso dia-a-dia, exigindo enormes quantidades de petróleo».

O assunto merece toda a atenção, mesmo tendo em conta que se a produção de petróleo baixar para níveis preocupantes, a curto prazo, será mais por falta de investimento no aperfeiçoamento das técnicas de extração - a era do “petróleo fácil” já passou - do que por falta de jazidas. Obviamente, a procura vai continuar a aumentar mesmo entre os que, como os europeus, se empenhem em tornar o consumo mais eficiente. Os maiores responsáveis pelo aumento são hoje, sobretudo, a China e a Índia, com aumentos de consumo de 150% e de 100%, respectivamente, até 2020, ritmos calculados como os necessários para poderem manter o mesmo ritmo de desenvolvimento.

Amanhã serão os países africanos no seu conjunto a consumir a maior parte do que se produz em África, reduzindo a disponibilidade das suas reservas para o mercado americano, europeu e asiático. Dos 12% da produção mundial, presentemente assegurados por África (12 países) apenas pouco mais de 3% são consumidos no continente; esta percentagem aumentará com o seu desenvolvimento. A Rússia, perante o crescimento da procura interna, poderá não ter oferta suficiente para a externa se continuar a querer resolver esse problema pela compra de gás em Repúblicas vizinhas (por exemplo, o Turquemenistão), em vez de investir em novas tecnologias de exploração das suas reservas; os novos termos que Moscou impõe agora às companhias estrangeiras a quem foram atribuídas generosas concessões no início da década de noventa vão, certamente, dificultar o acesso a investimentos externos. A Agência Internacional de Energia, calcula que, mundialmente, a procura aumentará 50% até 2030.

Também se sobrevaloriza o receio de possibilidades de interrupção do fornecimento, como as que aconteceram à Ucrânia em 2006 e à Bielorússia em 2007 (neste caso de gás), no âmbito do que então ficou conhecido como a utilização da energia como a nova arma do Kremlin. Não são apenas os países sem recursos energéticos que têm vulnerabilidades; os produtores são vulneráveis pela dependência das suas economias em função do mercado regular dos seus produtos energéticos, geralmente, a precisar de investimento e tecnologia estrangeiros para fazer frente às maiores dificuldades de extração e procura de novas jazidas. O Irã, que tanto alarme mundial causa, pela ameaça de encerramento do Estreito de Hormuz no caso de sofrer um ataque, é um dos exemplos óbvios de grande país produtor de gás e petróleo mas que, apesar disso, tem uma economia muito débil e sem margem de sobrevivência a quebras de receitas na venda de fontes de energia.

Não obstante o atrás referido, o mundo vive, já há alguns anos, a transição do actual modelo baseado em combustíveis fósseis (quase monoenergético; petróleo, gás e carvão constituem mais de 85% da actual matriz energética) para um outro modelo que, incluindo mais opções, nos permita ir enfrentando, sem sobressaltos, os riscos de desencontros entre a oferta e a procura que, a ocorrerem, ficarão, certamente, ligados tensões internacionais senão mesmo conflitos. Várias regiões, com que o mundo conta para aumentar a produção – Cáspio, Venezuela, África Ocidental, Mar do Sul da China, etc. – apresentam riscos de instabilidade política, situação agravada pelo facto de, na maioria dos casos, não terem uma postura favorável ao Ocidente. As necessidades dos grandes consumidores, num cenário de crescente competição pelo controlo das principais fontes de energia, modelarão, as respectivas políticas externas e de defesa, com destaque, neste último campo, para o crescimento das suas marinhas tendo em vista a protecção das rotas de abastecimento marítimo, que é por onde passa a maior parte do comércio de petróleo.

O desafio principal desse processo de transição será conciliar as necessidades de investimento em novas energias com diversas outras prioridades paralelas, por exemplo, a melhoria da eficiência energética, diminuição do impacto ambiental e, obviamente, também a redução da dependência externa. O assunto encontra-se encaminhado com o estabelecimento de metas a atingir com as novas energias; na União Europeia, o objectivo estabelecido para o ano corrente é conseguir que, em termos globais, garantam 12% do consumo (20% da produção de electricidade). O ideal seria conseguir que, à semelhança do que aconteceu com o carvão, a opção por outras fontes de energia resultasse da descoberta de formas mais eficientes e não do esgotamento das reservas de petróleo e gás; caso contrário, o mundo passará por convulsões de consequências certamente muito graves.

A aposta principal, nesta área, em termos de investigação e desenvolvimento, vai directamente para as chamadas “renováveis” (eólica e solar, principalmente), não obstante, de momento, não terem mais do que um interesse marginal, quer pelo reduzido contributo actual para aumentar a oferta, quer pelos seus custos ainda elevados em relação aos combustíveis fósseis. O seu maior atractivo é usarem um recurso endógeno, disponível localmente e que não se paga (salvo o caso dos biofuels, em que o trabalho agrícola tem que ser pago e em que a biomassa poderá ter que ser importada); também não produzem impacto climático (de novo, a excepção dos biofuels, em que o benefício climático pode ser irrelevante ou inexistente).

Uma das suas grandes dificuldades é não terem solução de armazenamento e a irregularidade da disponibilidade dos respectivos recursos (vento e sol); a sua utilização eficaz vai obrigar à criação de redes de distribuição inteligentes e alargadas para permitir a gestão da potência disponível em função dos locais e momentos onde seja mais necessária (o vento sopra de forma diferente ao longo do dia e de local para local). Eventualmente, poderão justificar a criação de novas redes de distribuição em corrente contínua para transporte a grandes distâncias, uma vez que as perdas em linha são menores (Alemanha e Holanda já estão ligadas por uma rede em corrente contínua com a Escandinávia). A utilização de redes de transmissão de energia sem linhas (Wireless Power Transmission), embora ainda sob investigação, é outra interessante possibilidade em cima da mesa; poderá um dia passar da sua actual aplicabilidade pontual para uso em larga escala. Resta saber como se conciliará o conceito de produção centralizada/distribuição a grandes distâncias com a tendência de produção e consumo local, como acontecia no passado. Como vimos atrás, o requisito atrás referido de gestão da potência disponível em função das necessidades variáveis da cada local implica, em qualquer caso, a interligação das redes locais numa rede mais vasta. O que se espera que venha a mudar no sector de transportes, um dos grandes responsáveis pelo consumo de petróleo, com o uso alternativo de baterias, terá também, quando generalizado, um impacto na produção e gestão das redes eléctricas.

Portugal, com uma elevada dependência energética externa, rondando os 82% (100% em recursos fósseis), precisa obviamente de acompanhar de perto todos os desenvolvimentos no campo das renováveis e estabelecer metas ambiciosas; para este ano, no âmbito da produção de electricidade, previa-se atingir a meta dos 45%. O assunto pode ter, a prazo, tanta sensibilidade e importância, como a actual crise financeira que o País está presentemente a viver, e é um tema que não pode deixar de fazer parte da agenda de segurança e defesa do País. É nesses termos que, aliás, está a ser tratado em quase todos os países, como se pode constatar facilmente de um simples folhear dos respectivos documentos estratégicos.

Portugal precisa de se questionar regularmente sobre se está devidamente preparado para os desafios que se anunciam, sobre as possíveis formas de reduzir as suas actuais vulnerabilidades e sobre a segurança e diversificação das suas fontes de abastecimento, um assunto central do seu relacionamento externo.

Fonte: JDRI (Jornal Defesa e Relações Internacionais)
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