sábado, 27 de fevereiro de 2010
Conexão Diplomática
Diferenças à parte — e elas serão uma parte extensa e importante da agenda —, Brasil e Estados Unidos devem dar passos concretos em pelo menos duas direções durante a visita da secretária de Estado Hillary Clinton, que chega a Brasília nesta quarta-feira. Ela e o ministro Celso amorim pretendem estabelecer um mecanismo de consultas regulares em nível de chanceleres, em base anual, com as reuniões se alternando entre os dois países. Trata-se de uma modalidade que traduz um patamar mais elevado de relações diplomáticas. E vai formalizar uma tendência que vem dos últimos anos do governo Bush, quando amorim e Condoleezza Rice, antecessora de Hillary, passaram a conversar por telefone com maior frequência. Em pouco mais de um ano de governo Obama, o ritmo se intensificou e o cardápio se diversificou. Agora, inclui troca de impressões sobre o conflito do Oriente Médio, o impasse com o Irã, o combate às mudanças climáticas e outros temas de alcance global.
Dentro da “agenda positiva”, Hillary e amorim devem também prosseguir com as conversações sobre um acordo para favorecer investimentos e trocas. A ideia começou a ser trabalhada na visita do representante comercial dos EUA, Ron Kirk, no ano passado. Como sócio do Mercosul, o Brasil está impedido de fechar com os EUA um tratado bilateral de comércio, mas pode negociar facilidades de menor alcance.
Carne de pescoço
Não faltarão à mesa das conversas da secretária, com o ministro e com o presidente Lula, temas sobre os quais Brasília e Washington andam divergindo pública e repetidamente. Começando pelo Irã, até porque Lula retribuirá em maio a visita do colega Mahmud Ahmadinejad. Fontes próximas ao chanceler amorim garantem que “eles (os americanos) não têm falado nisso”, mas ninguém duvida de que Hillary insistirá para que o Brasil apoie uma nova rodada de sanções contra o regime islâmico. Difícil será convencer o Itamaraty e o Planalto de que o melhor caminho é isolar Teerã. Por sinal, durante a viagem com o presidente ao México, o ministro conversou por telefone com o colega iraniano, Manouchehr Mottaki. Naturalmente, o lado brasileiro dará “o troco” cobrando mais ação dos EUA para destravar o processo de paz entre Israel e a Autoridade Palestina, que Lula visitará no mês que vem.
Em cima da hora
A pouco menos de uma semana para a chegada da ex-primeira-dama, que faz sua primeira visita à América Latina como chefe da diplomacia americana, uma numerosa delegação da embaixada esteve no Itamaraty na manhã de quinta-feira. Foram discutidos os últimos detalhes da agenda de Hillary em Brasília, o esquema de segurança e acertos técnicos para a entrevista coletiva que ela deverá conceder ao lado do colega anfitrião. Como a vinda da secretária foi confirmada apenas na semana passada, os preparativos começaram um pouco em cima da hora para o gosto dos diplomatas envolvidos.
E por falar…
…em Irã, o impasse com o regime islâmico sobre o programa nuclear voltará à agenda diplomática brasileira nas próximas semanas. Além do secretário americano de Defesa, Robert Gates, é esperado em Brasília o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o japonês Yukiya Amano. Com ambos, o discurso do governo Lula será o mesmo: três rodadas de sanções impostas a Teerã tiveram resultado pífio, e o uso da força colocaria em maus lençóis até mesmo os governos árabes mais avessos aos aiatolás, como os do Egito e da Jordânia. Trocando em miúdos, o Brasil ouve com boa vontade as ponderações, mas continua achando que o remédio é engajar Ahmadinejad.
No boletim
Mais em evidência ainda, nesses dias, ficou a posição brasileira sobre a espinhosa questão dos direitos humanos em Cuba. Como seria de esperar, outros governantes cobraram de Lula uma declaração mais contundente sobre a morte do dissidente Orlando Zapata, que coincidiu com sua visita a Raúl e Fidel Castro. Com o país de volta ao Conselho de Segurança da ONU, em vaga rotativa, e mais candidato do que nunca a uma cadeira permanente, é de esperar também que a diplomacia brasileira tome nota das reações internacionais ao que é dito — e ao que não é dito — pelo governo.
Fonte: Correio Braziliense
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