quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Crescem os arsenais bélicos na América Latina
O alarmante rearmamento da América Latina faz países vizinhos se olharem com desconfiança. Quem irá mais longe?
Longe de avançar nos processos de integração regional, a América Latina compra armas maciçamente desde que as exportações de matérias-primas dos últimos anos permitiram que seus governos invistam na modernização de seus arsenais. O petróleo venezuelano, o cobre chileno e a soja brasileira financiaram em boa medida os mísseis russos adquiridos por Hugo Chávez, os F-16 americanos do Chile ou os submarinos de guerra encomendados por Brasília à França. A renovada associação militar entre Colômbia e EUA, paralela ao alinhamento da Venezuela com o Irã e a Rússia, confirma o naufrágio das políticas de convergência regional aplicadas na década de 1990.
O atual rearmamento, que coincide com um período de desconfiança entre vizinhos e a blindagem militar das fronteiras, é tão certo quanto o fracasso das organizações criadas nos anos 80 para unir projetos e promover o comércio de nações ainda mergulhadas na pobreza, no analfabetismo, na fragilidade institucional. A julgar por seus resultados, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) parece ter naufragado. A Venezuela abandonou a Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru) e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) descumpre os objetivos liberalizantes concebidos por seus fundadores.
Ao mesmo tempo em que prosperam os gastos em defesa, que passaram de 19,7 bilhões de euros em 2003 para 26,8 bilhões em 2008, segundo o Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo, resta ver a operacionalidade e a vigência da última tentativa de integração: a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), formada por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. O grupo foi instituído no ano passado em Brasília para construir um espaço de integração cultural, social, econômico e político.
Segundo o pesquisador colombiano Román Ortiz, a questão chave não é quanto um país gasta em defesa ou que material acumula, mas quem tem as armas e para quê as quer. “Em outras palavras, sem perder de vista as capacidades bélicas de um governo, o fator determinante para considerá-lo uma ameaça tem a ver com suas intenções políticas e estratégicas”, salienta o analista da Infolatam. “É muito diferente um submarino ou um caça-bombardeiro nas mãos de países perfeitamente democráticos como o Chile ou o Brasil, de um projeto ideológico expansionista como o promovido pela Venezuela.”
Independentemente da retórica de seus políticos sobre a integração, a América Latina parece atuar impelida pela conjuntura e o viés das últimas mudanças governamentais. A mais determinante, criadora de escola e ativismo, foi a de Hugo Chávez em 1989. Suas compras de armas da Rússia nos últimos cinco anos, desde mísseis com alcance de 300 km a helicópteros e caças, fuzis de assalto e carros de combate, beiram os 3,3 bilhões de euros. Invocando a modernização de seus arsenais e a proteção das riquezas amazônicas, o Brasil comprará da França 36 aviões de combate, cinco submarinos, um de propulsão nuclear, entre outros equipamentos, por cerca de 9 bilhões de euros.
O Chile gastará quase 2,8 bilhões de euros na compra de várias esquadrilhas de F-16 americanos, artilharia de longo alcance e radares, enquanto o vizinho Peru, que guerreou com os chilenos no passado, limitou seus gastos militares a pouco mais de 670 milhões de euros. A Bolívia também mostra os dentes, com uma linha de crédito de 68 milhões de euros para armar-se na Rússia. No entanto, a capacidade de fogo multiplicada da Venezuela e o acordo de Bogotá com Washington, que permite o acesso dos fuzileiros-navais a sete bases militares na Colômbia, são os estopins mais alarmantes da nova situação.
O argentino Dante Caputo, secretário para Assuntos Políticos da Organização de Estados Americanos (OEA), lamenta que compras tão significativas não sejam motivo de discussão nos fóruns regionais: “Não se fala. É um dos temas tabus”. E não se discute apesar de a América Latina ter sido uma das regiões precursoras em promover as agendas de desarmamento. “O fato de nos encontrarmos hoje em uma situação em que há mais armamento nos preocupa”, acrescentou Patricia Espinosa, chanceler do México.
Os orçamentos militares latino-americanos aumentaram em um ritmo maior que no resto do mundo, mas nem todos gastam igualmente, pois a Argentina reduziu suas verbas até situá-las em US$ 2 bilhões no ano passado. No entanto, é necessário distinguir entre as apostas defensivas e as suspeitas de nascer com intenções desestabilizadoras. Na América Latina convivem as duas, segundo analistas. A Colômbia é o segundo país em gasto militar, com 3,9% do PIB, orientado para o combate ao narcotráfico e às guerrilhas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Exército de Libertação Nacional (ELN), que lutam contra o Estado há quase meio século e são financiadas pela extorsão e o narcotráfico.
Mas a máquina colombiana, independentemente do guarda-chuva americano, tem “escassa capacidade para desenvolver operações convencionais contra os exércitos vizinhos”, segundo Ortiz. A situação oposta é a venezuelana, apesar de Chávez reiterar que não quer invadir nem agredir. “Gostaria de não gastar um centavo em armas, mas os EUA nos obrigam a isso”, afirmou em agosto o ex-tenente-coronel. A Venezuela investiu em caças-bombardeiros SU-30, helicópteros de ataque Mi-35 e carros de combate T-80, entre outras tecnologias de guerra, e abre fábricas com patente russa, para se impor ao músculo bélico de seus vizinhos.
A caríssima renovação de arsenais ao sul do rio Bravo ocorre em países assolados pelas feridas do subdesenvolvimento, das pandemias, da desnutrição e da criminalidade. Ocorre em nações de precária consolidação institucional e aparentemente dedicadas à perpetuação de um vício básico: o precário sentido de Estado de sua classe política. A fome de muitos perpetua o poder de uns poucos na América Latina, e “nenhuma conquista parece ser definitiva”, segundo resume Óscar Arias, prêmio Nobel da Paz em 1987. “Em vez de discutir a cooperação entre nossos países, nos desgastamos discutindo repetidamente a adesão a ideologias já superadas há tempos.” Sobre armas não se fala: compram-se, e ponto.
Fonte: UOL via Plano Brasil
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