terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Jobim afirma que perdedores da disputa para fornecer caças podem retaliar


O ministro da Defesa, Nelson Jobim, admite a hipótese de retaliação política dos perdedores do programa F-X2, de renovação de 36 caças da FAB, e avisa que o Brasil tem de estar preparado para elas. “Pode haver questões políticas que você tem de saber administrar. Quando você faz opções, sempre pode ter problemas. Isso é risco de país grande, e só vamos ficar sabendo depois”, disse ele em entrevista à Eliane Cantanhêde, da Folha de São Paulo, publicada hoje (26/12).

Deixando claro nas entrelinhas a opção pelo Rafale, da França, que concorre com o Gripen NG, da Suécia, e o F/A-18 Super Hornet, norte-americano, Jobim disse ainda que chamou a Aeronáutica para mudar as regras da indicação técnica. Segundo ele, foi porque “a transferência de tecnologia passou a ser prioridade”. Depois de 34 viagens internacionais no ano, disse que a América Latina deve ter uma relação com os EUA “no mesmo nível, não de baixo para cima”. Neste ano, firmou o maior acordo militar brasileiro na história recente, comprando R$ 22 bilhões em submarinos e helicópteros franceses.

FOLHA - Por que investir bilhões em armamentos num país como o Brasil, com tanta coisa por fazer?

JOBIM – Não é investir em armamento, é investir em desenvolvimento. Tudo o que a gente está fazendo em relação à Marinha e à Aeronáutica diz respeito à construção no Brasil de submarinos, de helicópteros e futuramente de caças. Um brutal avanço tecnológico, porque a empresa estrangeira associa-se a empresas nacionais e produz no país, formando técnicos, gerando expectativas, criando empregos, o diabo a quatro. Toda a alta tecnologia se desenvolve primeiro na área militar, só depois vai para a área civil.

FOLHA - E para que um submarino nuclear?

NELSON JOBIM – O território imerso do Brasil tem 4,5 milhões de quilômetros quadrados e, numa faixa de Santa Catarina até o Espírito Santo, há a maior riqueza submersa do país. É preciso dissuasão.

FOLHA – Por que não usar os submarinos convencionais, que têm manutenção muito mais barata?

JOBIM – O submarino convencional tem uma estratégia de posição, ele vai a profundidades muito grandes, mas desenvolve velocidade baixíssima. Já o de propulsão nuclear tem estratégia de movimento e chega a até 60 km/hora. Para nosso litoral, não é possível escolher um ou outro, tem de ser um e outro.

FOLHA - Ao perseguir liderança internacional e os projetos na área nuclear, o Brasil caminha para modificar a Constituição e ter condições de construir a bomba, como desconfiam diplomatas estrangeiros?

JOBIM - Nem pensar. Isso é cogitação de diplomata que chega sem saber nada sobre o Brasil.

FOLHA – O governo deixou a decisão dos caças para 2010 porque os franceses não estão cumprindo as promessas de Nicolas Sarkozy?

JOBIM – O problema todo é esse: havia uma decisão política de prosseguir a aliança estratégica com a França e havia um processo de seleção estabelecido pela Aeronáutica, que chegou aos três finalistas. A análise que tem de ser feita é quanto à plataforma, que significa basicamente o avião; à transferência de tecnologia; à capacitação nacional; ao preço e, finalmente, ao custo do ciclo de vida. A FAB faz a análise quanto à plataforma e sua adequação às necessidades do país e informa as tecnologias que as empresas estão oferecendo, inclusive detalhando as regras de cada país para aquela tecnologia.

Aqui, surge o seguinte: a França desenvolve toda a tecnologia do seu avião, depois tem a Boeing, em que toda a produção é norte-americana, e, por fim, a Saab, sueca, que tem produção americana, que é o motor, e outras europeias.
Então, tem de verificar a regra para transferência de tecnologia de cada uma dessas coisas. Não podemos iniciar o desenvolvimento de tecnologia no país e ser surpreendidos lá adiante por um embargo.

FOLHA - A FAB apresentou um relatório e o sr. devolveu, pedindo mais explicações?

JOBIM - Eu disse a eles o que eu queria. O que eles tinham era uma modelagem que vinha desde a época do governo passado, a da Copac [Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate], e eu disse ao brigadeiro [Juniti] Saito [comandante da Aeronáutica]: “Olha, mudou a modelagem. Não é mais essa aí”.

FOLHA – Foi uma forma de pedir para refazer o resultado e evitar um favorito que contrariasse a preferência do presidente?

JOBIM – Isso é presunção sua, conclusão de jornalista, partindo do pressuposto de que montei tudo para chegar à conclusão que eu quero. Não é nada disso. Quero chegar ao seguinte: isso aqui é que determinará a conclusão e não a conclusão que vai impor isso. Entendeu?

FOLHA – Não está se mudando na reta final uma regra e uma comissão que vêm há muitos anos, aliás, muito antes do governo FHC?

JOBIM – É que você teve, no meio do caminho, uma coisa que não tinha antes, a Estratégia Nacional de Defesa, que interfere em tudo, transforma a transferência de tecnologia em prioridade.

FOLHA – Na prática, o sr. vetou a FAB de indicar o favorito?

JOBIM – Não vão indicar mesmo, quem decidirá é o governo.

FOLHA – O risco de não saírem os caças é zero?

JOBIM – Praticamente zero. O presidente decide em janeiro e depois vem a negociação do contrato, que pode levar uns dois meses, como na Marinha.

FOLHA – Não é preocupante pendurar todas os contratos e equipamentos num único país fornecedor?

JOBIM – A premissa é falsa, antiga. Confunde compra de oportunidade com capacitação nacional. Se você simplesmente compra alguma coisa que não sabe fazer, sim, você fica na mão do fornecedor. Antes era assim, o que exigia uma diversidade enorme de fornecedores e o preço da logística ficava uma barbaridade. Hoje, com a premissa da capacitação nacional, é melhor produzir um tipo só, porque reduz o custo.

FOLHA – É uma defesa dos Rafale, já que os contratos são todos com a França?

JOBIM – É a defesa de quem transferir tecnologia.

FOLHA – É possível algum tipo de retaliação dos perdedores? Jurídica, por exemplo?

JOBIM – Não, porque não é uma licitação, é um processo de seleção, ou seja, com dispensa de regras previstas na 8.666 [Lei das Licitações]. Bem, pode haver questões políticas que você tem de saber administrar. Evidentemente, isso pode acontecer em qualquer hipótese. Se você escolher o Gripen, pode ter problemas com os franceses e os americanos. A mesma coisa se for o F-18. Quando você faz opções, sempre pode ter problemas. Isso é risco de país grande, e só vamos ficar sabendo depois.

FOLHA – Qual o foco de reequipamento em 2010?

JOBIM – Na Marinha, nós temos interesse em navios de patrulha oceânicos, logísticos e costeiros. A Itália e a Ucrânia vão mandar gente aqui em janeiro. No Exército, o presidente autorizou R$ 43 milhões para o início do projeto do blindado sobre rodas para substituir o Urutu. A princípio, vai se chamar Guarani. Na Aeronáutica, o FX-2. E, em comum para os três, o satélite de monitoramento.

FOLHA – A nova lei de Defesa é para preparar as Forças Armadas para agir em crises urbanas, como no Rio?

JOBIM – No Exército não muda nada, porque desde 2005 ele ganhou competência de patrulhamento, revista e prisão em flagrante em caso de crimes ambientais e transfronteiriços. O que faz a nova lei? Autoriza a Aeronáutica e a Marinha a poderem fazer o mesmo.

FOLHA – Como foi a conversa com o secretário-adjunto para o Hemisfério Sul, Arturo Valenzuela?

JOBIM – Muito boa. Eu defendi que os EUA se reapresentassem à América Latina, e a reapresentação passa pela relação com Cuba. O problema americano qual é? Não é o caso dele, mas americano tem mania de achar que a América Latina é uma coisa só, e não é. Mostrei a ele que nós queremos criar uma região de paz e ter uma relação com os EUA no mesmo nível, não de cima para baixo.”

Fonte: Folha

Nota do Blog: É digno de nota as perguntas que foram feitas pela reporter e que reflete bem a falta de conhecimento geopolítico e estratégico de nosso povo, vendo como ônus o investimento em equipamento e principalmente tecnologia militar. Pois trata-se muito mais do que ter aviões, navios e veículos de combate, trata-se de ter capacidade de preservar nossa soberania, trata-se de desenvolver nossa planta industrial, pois os conhecimentos obtidos nessas transferências de tecnologia não estarão restritas ao campo militar, mas a todo campo industrial brasileiro e a longo prazo esse investimento que para muitos é vultoso e mesmo considerado por leigos proibitivo, vai se mostrar muito importante no que diz respeito a possibilitar o avanço industrial e a capacidade de termos autonomia para desenvolver nosssos próprios meios militares a um custo bem menor do que o praticado até então por dependermos de comprar de terceiros, e muitas vezes compramos equipamentos que não atendem totalmente nossas necessidades por serem compras de ocasião, só que nossa postura mudou e o Brasil esta crescendo, e isso demanda investimento nos mais diversos campos políticos, científicos, industriais e militares, para que possamos sustentar nosso crescimento e ter capacidade de proteger nossa pátria em todos os sentidos que se pode empregar esta palavra. Pois somos brasileiros e devemos confiar em nossa nação e buscar sempre o crescimento de nosso país.
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1 comentários:

  1. Poder retaliar até podem (os que perderem). Mas acho difícil isso acontecer no muindo de economia globalizada onde todo mundo depende de todo mundo.

    Se algum país retaliar o Brasil na segunda, na terça já estará dependendo do Brasil para alguma outra negociação...então acho isso pouco provável.

    abraços a todos

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