domingo, 20 de dezembro de 2009

Críticas ao alto custo


O ex-secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp) José Vicente da Silva afirma que o projeto de Policiamento Especializado na Fronteira (Pefron), do Ministério da Justiça, é “caro e ingênuo”. A proposta, sob a responsabilidade da Senasp, deve consumir R$ 100 milhões no próximo ano, caso consiga angariar recursos do Orçamento de 2010 para implementar todas as ações previstas. O projeto pretende construir bases de apoio na divisa para a atuação de equipes de 46 policiais estaduais treinados. “Querer pegar uns gatos pingados para botar na fronteira é uma trapalhada do ministério que vai custar muito caro”, critica Vicente da Silva, que chefiou a secretaria no governo Fernando Henrique Cardoso.

Para o ex-titular da Senasp, o projeto não envolve as principais estruturas do Estado que atuam na fronteira, como os ministérios da Defesa, por meio das Forças Armadas, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). “Antes de ser uma questão de segurança pública, a divisa é uma questão de segurança nacional”, argumenta Vicente da Silva. Para ele, é um “chute delirante” afirmar que o programa pode reduzir em até 60% a entrada de armas e drogas no país.

O secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, delegado federal Rodney Miranda, também se mostrou cético em relação ao Pefron. Embora a iniciativa seja do governo federal, ressalta o secretário, a ação será executada pelas policias estaduais. “Não sei se hoje as policiais estaduais têm pernas para combater a violência urbana e, ao mesmo tempo fechar a fronteira”, justifica o secretário. “Será que há efetivo suficiente para essa tarefa?”, indaga, ao lembrar que será necessário um custeio permanente do projeto.


Produção

Para Rodney Miranda, no caso do narcotráfico, é fundamental combater a produção de drogas nos países da América do Sul. Do contrário, segundo ele, o projeto vai “construir uma represa sem fechar as comportas”. Dessa forma, avalia Miranda, é preciso fortalecer os acordos de cooperação com esses países para intervir na raiz do tráfico. Segundo o secretário, com base em dados da Agência Antidrogas (DEA), estima-se que somente 10% de toda droga que entra pela fronteira Estados Unidos-México, uma das mais vigiadas do mundo, é apreendida. “Por isso os americanos investem no Plano Colômbia”, afirmou o secretário capixaba, referindo-se ao bilionário plano de combate à produção de cocaína do vizinho sulamericano, maior produtor mundial da droga.

Nas contas do governo capixaba, um dos centros de distribuição de entorpecentes no país, a apreensão de drogas tem crescido muito nos últimos anos.

O senador Delcídio Amaral (PT-MS), que tem acompanhado as tratativas entre as autoridades para implementação do programa, contemporiza as críticas. Para ele, a criação do Pefron não exclui o aumento da presença das Forças Armadas. “Uma coisa não inviabiliza a outra”, sustenta. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da CPI da Violência Urbana, tem a mesma opinião. “Não acho que vamos acabar com o problema das fronteiras. É melhor ter um projeto do que ficar no zero”, defende.


Sem verba para proteger fronteiras

Ministério da Justiça quer implantar projeto de vigilância nos 11 estados que fazem divisas com outros países. O custo da proposta é de R$ 100 milhões, mas ainda não há dinheiro previsto no Orçamento de 2010, que tramita no Congresso.

O Brasil tem 16,8 mil quilômetros de fronteiras com 10 países, uma distância igual a oito viagens de ida e volta de Brasília a São Paulo. Somente três dos 11 estados fronteiriços, porém, contam com um programa específico de vigilância na divisa: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Para aumentar a presença do Estado na região, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, pretende realizar, até o fim do ano, convênios com todos os governos estaduais por meio do projeto Pefron — o Policiamento Especializado na Fronteira. Falta apenas incluir na proposta de Orçamento de 2010, prevista para ser votada pelo Congresso na terça-feira, mais R$ 100 milhões em recursos para a proposta deslanchar.

A divisa é a principal rota de entrada de drogas e armamentos que abastecem os grandes centros urbanos. O programa do Ministério da Justiça tem duas grandes metas para colocar em prática até o fim do próximo ano: construir as bases de apoio nos estados e iniciar, após o treinamento especializado, as operações permanentes das forças de segurança em cada um deles. O problema é que o projeto, como ainda está na fase de assinatura das parcerias, não possui dotação orçamentária específica — os recursos empregados este ano e os previstos para 2010 são de outras fontes de receita do ministério.

O titular da Senasp, Ricardo Balestreri, reuniu-se na semana passada com o relator-geral do Orçamento de 2010, deputado Geraldo Magela (PT-DF), a fim de lutar por recursos próprios para o Pefron. Presente ao encontro, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da CPI da Violência Urbana, afirmou que Magela não garantiu recursos exclusivos para o projeto no Orçamento. “Defendo a desvinculação, criando uma rubrica própria”, explica Pimenta. “Queremos aprovar um programa permanente, que tenha autonomia.” Procurado na sexta-feira, Magela não retornou às ligações da reportagem.

Especialistas em segurança pública, contudo, criticam o esforço do ministério em conseguir recursos para o novo programa. Avaliam que seria melhor deixar a cargo das Forças Armadas, por exemplo, a vigilância na região (leia mais na pág. 13).


Mapeamento

Gestado desde março de 2008, o projeto inspira-se, com adaptações, nas experiências dos três estados com policiamento especializado. O primeiro passo da Senasp foi estudar a realidade das divisas, com apoio dos governos da região. Os técnicos do ministério descobriram que, exceto as localidades com mais de 50 mil habitantes, os 571 municípios fronteiriços possuem índices de assassinatos maiores do que as demais 1.147 cidades nos respectivos estados. “O homicídio não é um crime federal, mas pode ter vinculação com outros crimes, como o tráfico de drogas e o contrabando de armas”, afirma o coordenador-geral do Pefron, Daniel Meireles da Rocha.

A partir da radiografia de uma região onde moram 10 milhões de brasileiros, o programa decidiu focar em ações para reprimir a criminalidade e melhorar a vigilância. Pelo projeto, grupos de 46 policiais e peritos vão trabalhar em turnos ininterruptos de 15 dias até serem rendidos por nova equipe. Os integrantes das forças de segurança que aderirem ao projeto vão receber, além dos salários pagos pelos estados e do treinamento especial do ministério, diárias de R$ 281. O pagamento da gratificação já ocorre com os policiais que fazem parte da Força Nacional de Segurança como forma de estímulo. Nos próximos anos, novas bases serão construídas e novas equipes, treinadas.

As bases contarão com apoio de helicópteros, lanchas e carros especiais — a escolha dos equipamentos leva em consideração a vegetação e a necessidade de cada uma das divisas. No reforço, há também o Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant) — uma das vedetes do programa. As aeronaves, avaliadas em R$ 8 milhões cada, têm lentes ópticas capazes de captar imagens em voos em nível de cruzeiro (cerca de 10 mil metros de altura). Guiados por controle remoto, têm autonomia de 16 horas de viagem e devem ajudar a conter a entrada e a saída ilegais de bens e produtos do país. O primeiro entrará em atividade nos próximos dias na divisa do Paraná, onde está localizada a famosa tríplice fronteira — conhecida rota de contrabando de mercadorias falsificadas vindas do Paraguai.


Biopirataria

O projeto também está de olho no caminho inverso da divisa: a ilegal saída de bens e habitantes do país. Um dos focos é impedir a biopirataria, especialmente nas fronteiras amazônicas, evitando o comércio irregular de mineirais e de madeira. Mas as atenções estão também voltadas para a prostituição e o turismo sexual, evasão de divisas e o aliciamento de trabalhadores rurais para o tráfico. Em todas as ações, as policias Federal e Rodoviária Federal também vão cooperar na troca de informações com os estados.

Para Daniel da Rocha, o programa vai acabar com o paradigma de que estados e o governo federal não conversam sobre segurança pública por terem atribuições constitucionais distintas na questão. “Esse projeto vai acabar com esse paradigma”, aposta. E a meta do Pefron, se implementada, é audaciosa: “Vamos conseguir reduzir em 4 anos 60% da entrada de drogas e armas no Brasil.”


Rota perigosa

Estima-se que deixem o país por ano pelas fronteiras brasileiras:

400 mil veículos roubados e furtados

15 mil cargas roubadas de veículos

125 mil apreensões de entorpecentes e 80 mil armas de fogo recolhidas

33 mil pessoas desaparecidas

A maior parte das fronteiras do país, 9.523 quilômetros (56,42% do total), é de rios, lagos e canais. As fronteiras secas são 7.363 quilômetros (43,58%).

Fonte: Correio Braziliense
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