Embora tenham apoiado a censura ao Irã na AIEA, China e Rússia não deverão aprovar na ONU sanções que visem a economia iraniana, prevê Flynt Leverett, diretor do Projeto Irã da New America Foundation, centro de estudos americano de orientação centrista.
Ex-responsável pelo Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, ex-analista da agência central de espionagem, CIA, e professor da Universidade da Pensilvânia, Leverett vem defendendo o restabelecimento pleno das relações entre EUA e Irã, rompidas após a Revolução Islâmica de 1979.
Ele provocou polêmica em junho ao dizer, com base em pesquisa pré-eleitoral de sua fundação, que Mahmoud Ahmadinejad provavelmente foi o vitorioso da eleição contestada pela oposição. Abaixo, a entrevista à Folha, feita por telefone.
Após a advertência da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) ao Irã, o que virá?Os EUA, apoiados por Reino Unido e França, vão tentar usar a resolução da AIEA como base para convencer o Conselho de Segurança da ONU a endossar sanções adicionais ao Irã. Isso deve acontecer em fevereiro, quando a França assume a presidência do Conselho.
Mas sou cético quanto à possibilidade de qualquer medida acrescentar muito às sanções em vigor. Nas três resoluções já adotadas [desde 2006], EUA, Reino Unido e França vieram com um rascunho de punições amplas, que foram limitadas por Rússia e China a indivíduos e entidades ligadas à área nuclear.
Mas o fato de China e Rússia terem apoiado a decisão da AIEA hoje não indica uma mudança de posição?Não no sentido que os EUA querem, que são sanções que visem setores importantes da economia iraniana, como finanças, petróleo e gás. Isso os chineses e russos não devem endossar.
Claro que nem China e nem Rússia têm interesse em que o Irã se torne uma potência nuclear. Querem uma solução pacífica e multilateral, o que as levou a apoiar a decisão de hoje que pede mais cooperação do Irã. Mas, quando chega a hora de opções mais duras, não comprometem seus próprios interesses para agradar os EUA.
O Brasil, que acaba de receber o presidente iraniano, se absteve hoje na AIEA, ao lado de África do Sul e mais quatro países. Também tem dito que o Irã tem o direito de enriquecer urânio para fins pacíficos. Isso pode comprometer a posição internacional brasileira?O Brasil, como a África do Sul, tem história nessa questão. São dos poucos países que abriram mão de um programa de armas nucleares, de forma monitorada internacionalmente, e todos o consideram líder no tema da não proliferação. Ao mesmo tempo, como uma espécie de líder dos países não alinhados, o Brasil tem defendido o que considera direito de acesso dos países sem armas nucleares à tecnologia nuclear civil, incluindo o ciclo do combustível.
Não me surpreende nem um pouco que o Brasil e os outros cinco países tenham adotado essa posição em Viena. Da perspectiva desses Estados, segundo meu entendimento, houve um processo na AIEA em que o Irã esclareceu várias dúvidas sobre seu programa levantadas no passado, exceto por um "suposto estudo" sobre atividades ligadas à produção de armas, mencionado no relatório da AIEA.
E aí você tem um problema claro porque a AIEA não pode colocar esse estudo que recebeu dos EUA e outras agência ocidentais em frente ao Irã e pedir que responda. Como se pode esperar que o Irã prove que não está fazendo alguma coisa quando as evidências [de que está fazendo] não são tornadas disponíveis?
Claro que a posição brasileira provoca críticas em alguns círculos americanos, mas no final não há muito que os EUA possam fazer contra o Brasil nesse aspecto.
E por que o estudo não pode vir a público?Bom, isso é um ponto obscuro. A própria direção da AIEA cobrou isso, mas a alegação é que os EUA e os outros países ocidentais não querem que o Irã veja as fontes da informação.
Antes da eleição iraniana, havia consenso entre os analistas de que os EUA deveriam buscar um acordo mais abrangente com o Irã, que fosse além da questão nuclear. Com a eleição e a repressão que se seguiu, muitos passaram a considerar que isso reforçaria Ahmadinejad. Qual é a sua posição?Sou um dos que acham que qualquer solução para a questão nuclear iraniana tem que ser parte de um entendimento estratégico amplo, particularmente entre o Irã e os EUA.
Os EUA ainda não chegaram a esse tipo de proposta. Entre [George W.] Bush e [Barack] Obama, nós abandonamos algumas precondições para o diálogo, mas não colocamos na mesa uma proposta nova.
O ministro do Exterior iraniano tem uma frase: "Antes de eu entrar numa sala, tenho que saber o que há lá dentro". E, até agora, os EUA nunca deixaram claro o que estará na sala, qual será a natureza do acordo, da relação bilateral. Sem isso, será difícil chegar a uma solução diplomática para o problema nuclear.
Por causa do modo como a eleição de junho foi percebida, ficou mais difícil uma iniciativa ousada. Minha opinião é que Ahmadinejad de fato ganhou as eleições. As pessoas podem ter opiniões diferentes sobre isso, mas o ponto crítico é preciso promover interesses estratégicos, da estabilidade, da não proliferação e de um Oriente Médio mais estável. Para isso, você terá que lidar com o governo iraniano como ele é, não como queremos que seja.
Mas a equipe de Obama nunca teve uma estratégia clara ou foram os fatos que contribuíram para a falta de ousadia?Um pouco dos dois. A estratégia nunca foi muita clara. O governo queria negociar, mas não tinha uma estratégia clara para isso e não queria enfrentar escolhas muita duras que precisaria fazer numa negociação séria. Não colocou na mesa coisas que seriam do interesse iraniano antes da eleição de junho e, depois, com toda a controvérsia, [o governo Obama] basicamente ficou na defensiva. Às vezes quer negociar, às vezes quer parecer duro.
Quando Ahmadinejad esteve no Brasil, o governo brasileiro mencionou a ideia de um Oriente Médio livre de armas nucleares. Isso é exequível?Uma discussão séria da proposta de um Oriente Médio livre de armas nucleares para nos EUA quando Israel entra no quadro. Isso é ruim, porque parte do problema que temos ao lidar com a questão iraniana é que o Conselho de Segurança exige que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio. Os EUA e seus parceiros dizem que, ao fim de qualquer negociação, querem obter o fim do programa de enriquecimento.
Não acho que isso vá acontecer, porque singulariza o Irã com um tratamento que nenhum outro país recebe, e não posso imaginar os iranianos aceitando isso.
Então seria preciso uma abordagem mais neutra para lidar com a proliferação no Oriente Médio, e a melhor fórmula para fazer isso seria a da zona livre de armas nucleares ou de armas de destruição em massa. Todos os principais países da região, exceto Israel, concordam com isso.
Israel se sente ameaçada pelo Irã. Ela poderia atacar se a situação chegar a um impasse e ficar claro que o Irã caminha para ter a bomba?Israel poderia em tese atacar dois ou três alvos de alta prioridade. Mas não acho que seja uma opção muito robusta. Acho que os israelenses entendem as limitações do que podem fazer, e provavelmente preferem que a questão seja tratada de outra forma. Mas não se pode descartar que um ataque aconteça, se Israel achar que as coisas foram muito longe no lado iraniano.
Há o argumento de o Irã não pode ser tratado como os outros países porque é expansionista, seus líderes não agem racionalmente. O senhor discorda. Por quê?Acho que [esse argumento] não tem base histórica. O Irã hoje não pode projetar poder militar convencional além de seus fronteiras. Não é uma ameaça militar a outros Estados da região. Se você olhar a região da perspectiva iraniana, há 15 Estados em suas fronteiras, nenhum deles é um aliado natural e vários foram usados como plataforma para ações hostis contra o Irã.
O Irã quer ter meios de tentar influenciar os acontecimentos nesses países para que não sejam usados como plataforma contra ele, então apoia todos os tipos de grupo, como o Hizbollah no Líbano, o Hamas palestino, as organizações iraquianas que tinham seu apoio desde quando Saddam [Hussein] estava no poder e que agora fazem parte do governo.
Eu entendo que isso seja um problema para os vizinhos na região, mas não acho que o torne um país agressor.
Fonte: Folha