sábado, 19 de setembro de 2009

Projeto SARA


Imagine uma plataforma espacial para realizar experiências em um ambiente de gravidade reduzida (microgravidade). Trata-se de uma carga especial lançada por um foguete e que permanece no espaço por um certo tempo, decisiva para a realização de pesquisas estratégicas para o país. Agora, saiba que o projeto é de um satélite brasileiro, feito pela indústria nacional e com mão-de-obra própria, treinada e qualificada no Brasil, exatamente em uma área do conhecimento em que o país que domina a técnica não ensina ninguém, mas vende a tecnologia. É um tesouro a ser conquistado.

O nome do projeto é SARA, sigla para Satélite de Reentrada Atmosférica, em desenvolvimento pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), um dos centros de pesquisa do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), do Comando da Aeronáutica, em São José dos Campos (SP).

O SARA propõe o desenvolvimento de uma plataforma orbital para a realização de experimentos em ambiente de microgravidade, destinada a operar em órbita baixa, a 300 km de altitude, por um período máximo de dez dias. No futuro, o equipamento abrirá novas possibilidades na realização de projetos de pesquisa e desenvolvimento nas mais diversas áreas e especialidades, tais como biologia, biotecnologia, medicina, materiais, combustão e fármacos, entre outros.

Outro objetivo do projeto SARA é o desenvolvimento de estruturas que possam suportar o severo ambiente de reentrada na atmosfera terrestre. Para este fim, os quatro veículos que compõem o programa, dois suborbitais e dois orbitais, deverão alcançar gradativamente o conhecimento necessário. A sequência é semelhante ao do programa alemão Shefex (Sharp Edge Experiment), destinado à pesquisa de formas aerodinâmicas para a reentrada de veículos espaciais em regime hipersônico. Tanto o Sara como o Shefex visam o desenvolvimento de tecnologias para a criação de aeronaves e veículos hipersônicos através da análise da reentrada de veículos espaciais na atmosfera terrestre.

No primeiro veículo do programa, o SARA Suborbital, serão desenvolvidas as tecnologias de eletrônica embarcada, do módulo para a realização de experimentos e do sistema de recuperação através de pára-quedas. Segundo o gerente do projeto, Luís Loures, pesquisador da Divisão de Sistemas Espaciais do IAE, as maiores dificuldades até agora envolvem exatamente o desenvolvimento do sistema de recuperação.

Dados revelados pelos europeus dão conta de que as taxas de falha neste sistema podem chegar a 20%. A maneira que o projeto encontrou de reverter esta expectativa foi a de investir em ensaios funcionais. Todos os eventos, componentes e equipamentos deste sistema estão sendo sistematicamente investigados e seus desempenhos avaliados. “Nós não temos receio em repetir ensaios caso achemos que valha a pena”, afirma o pesquisador.

O cronograma do SARA Suborbital prevê o término do projeto detalhado para o final deste ano e a qualificação em 2010, quando a plataforma deverá estar pronta para lançamento.

Os demais veículos do programa são o SARA Suborbital 2, destinado a implementar o controle de atitude em voo e o motor de indução de reentrada, o SARA Orbital, para verificar a capacidade de controle e o ambiente tanto em órbita como na reentrada e, por fim, o SARA Orbital 2, que qualificará o sistema de proteção térmica reutilizável. Essas etapas são necessárias para desenvolver e aprimorar cada tecnologia desse importante projeto, que cresce nas mãos dos cientistas brasileiros como um filho, que primeiro aprende a engatinhar, depois a andar e por fim a correr.

Nacionalização - A entrada na sala do projeto SARA não envolve grandes surpresas: nas paredes, os usuais gráficos de cronograma, desenhos técnicos e um quadro repleto de croquis e cálculos em vermelho. Ao fundo, Artur Cristiano Arantes, estudante da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), verifica as últimas alterações de projeto do Módulo de Experimentação. Resultados da análise estrutural mostraram uma frequência baixa no prato que abriga os experimentos. Uma consulta aos projetistas da empresa CENIC e logo surge uma solução: o aumento da espessura da colméia que o bolsista já implementou e que agora observa os resultados. O diálogo próximo entre fabricante e projetista é uma das características do Sara: só se propõe algo que possa ser produzido pela indústria nacional.

A CENIC é a empresa responsável pela industrialização da plataforma, situação definida em contrato com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o IAE. Para tanto, a empresa mantém um profissional constantemente à disposição do projeto. No fundo da sala, Tiago Gonçalves Faria, outro estudante da Univap, observa a versão do artigo a ser apresentado na conferência sobre veículos espaciais na Alemanha. Ambos os estudantes embarcaram no mês de junho para a Europa para representar o grupo.

Loures ressalta a política de desenvolver a capacitação da mão de obra por meio da atribuição gradativa de responsabilidades. Os trabalhos correm com supervisão de engenheiros experientes do IAE: os cálculos de Artur, por exemplo, são avaliados pelo pesquisador Guido Damilano, do Grupo de Estruturas.

A ocorrência de revisões de projeto, como nos EUA e na Europa, é comum e realizada por uma banca composta de especialistas do IAE, do INPE e da Embraer, que avalia o estágio de desenvolvimento do projeto. O engenheiro Tertuliano, bolsista AEB/CNPq, coordenador dos trabalhos entre o IAE e a Mectron, responsável pelas Redes Elétricas do Sara, organizava no momento a documentação para uma revisão de projeto a ser realizada nesta semana na sede da empresa.

Parte da tecnologia a ser empregada nos próximos veículos SARA já está em desenvolvimento: a plataforma para controle de atitude será a desenvolvida pelo projeto SIA (Sensores Inerciais Aeroespaciais), os materiais para alta temperatura estão sendo testados pela Divisão de Materiais do IAE e deverão voar como experimentos na plataforma Shefex 2, enquanto a capacidade de modelar o ambiente aerotermodinâmico e sua averiguação em túnel (Mach 7 a 25) correm em conjunto com o projeto do veículo hipersônico 14-X do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), outro núcleo de pesquisa do DCTA. Criar as sinergias necessárias para o desenvolvimento é uma estratégia clara do projeto, afinal, “nossos recursos financeiros e humanos são limitados”, explica Loures.

No futuro, o SARA pretende ser uma plataforma industrial orbital para a qualificação de componentes e equipamentos espaciais a um baixo custo, o que abre interessantes chances de negócios no Brasil e no exterior, além de realizar pesquisas científicas em microgravidade. Ao mesmo tempo, os desenvolvimentos em curso de materiais especiais, como o carbono/carbeto de silício, e da capacidade de modelar os fenômenos físicos, permitirão que o país se mantenha conectado com uma nova geração de veículos de reentrada.

Outras aplicações estão relacionadas com as pesquisas para a 2ª geração de veículos lançadores reutilizáveis (a 1ª foi o Space Shuttle, da NASA, e o russo Buran) e com a tecnologia a ser empregada em aeronaves hipersônicas, capazes de realizar um voo de Los Angeles a Sidney em poucas horas.

Na prática, o SARA vem aperfeiçoando a forma do IAE conduzir projetos, com novas técnicas de gestão e uma nova aproximação da industrial nacional. “É um projeto pequeno, porém muito complexo. Nós não temos todas as respostas, mas não temos receio de procurá-las, pois contamos com fatores que superam obstáculos: o entusiasmo e a determinação da nossa equipe”, afirma o gerente do projeto.


Fonte: CECOMSAER E IAE/DCTA
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